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Cena do filme |
Para Roberto Carlos Ramos, a fábula sempre foi uma questão de sobrevivência. Nas cores e devaneios de seus personagens inventados, ele conseguiu atravessar a zona de perigo da realidade que se abria diante de seus olhos. Nesse campo de combate repleto de canhões (a rua) e campos de concentração (a Febem - atual Fundação Casa), o ainda muito jovem soldado que nasceu com nome de artista recebeu a ajuda de uma insistente guerreira, chamada Margherit. Em linhas gerais, essa é a história real do Contador de Histórias que dá título ao novo filme do diretor brasileiro Luiz Villaça.
O tom fantasioso que recobre uma infância e adolescência absolutamente nada poética desse menino é não apenas a opção narrativa do diretor, como um tributo ao personagem que inspirou o filme. Roberto Carlos é mestre em fazer de limão, limonada, e é o tipo da pessoa que sempre conseguiu transformar um pano de chão em uma colorida colcha de retalhos para revestir o chão duro e áspero em que pisava.
É se utilizando do fantástico que Villaça pontua, aqui e ali, o roteiro biográfico sobre o crescimento desse personagem. No elenco, três atores se revezam no papel título. A se considerar que foi um trabalho de direção de jovens sem experiência prévia com cinema, consegue-se tirar bons momentos dos intérpretes. Com mais tempo de filme, Paulo Henrique, o protagonistas aos 13 anos, e Marco Antonio, que vive Roberto Carlos aos 6 anos, apresentam uma versão bem honesta do personagem.
A sustentação da cena, no entanto, acontece mesmo quando a atriz portuguesa Maria de Medeiros está no enquadramento. Medeiros é Margherit, a educadora francesa que chega ao Brasil para fazer um estudo de caso sobre a educação de crianças na Febem. A atriz consegue dar solidez a uma personagem que, em seus primeiros minutos, parece inconsistente em seu particular interesse pela vida de Roberto Carlos, um interesse aparentemente mais exótico que emocional. Há, no entanto, uma mútua carência afetiva que aos poucos dá sentido ao relacionamento entre os dois personagens.
A partir de conversas registradas inicialmente em um gravador, ela conhece esse menino que foi enviado à instituição aos 6 anos de idade. Na época, a mãe de Roberto, a exemplo de tantas outras, largou o filho em um lugar que, acreditava-se, transformaria crianças sem oportunidades de educação em futuros médicos, engenheiros e advogados. A realidade da Febem aqui é propositalmente maquiada e ganha recursos lúdicos uma nota acima do tom na hora de narrar alguns eventos da infância do personagem. Mas de uma maneira geral, ao utilizar a voz narradora do próprio Roberto Carlos, o filme de Villaça não excede muito nem no elemento fabulístico, nem nas cenas mais escuras e secas dessa trajetória. Mantém-se em linha reta.
Jacques Lacan costumava frisar que é atravessando a fantasia que se acha o real. Queria dizer o psicanalista que é somente sublimando a realidade a partir das pequenas ficções nossas de cada dia que se consegue, de fato, discernir o que é concreto e sólido naquilo que se sente. A história de Roberto Carlos é um caso clássico de fantasias atravessadas. E é possivelmente graças a elas que o filme convence em seu despropósito de ser real.
Carol Almeida
Terra
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