Claudio R S Pucci/terra.
Era uma vez um rapaz cego, bobo e surdo que, por jogar fliperama como ninguém, se tornou o líder de uma seita messiânica, comandada por seus pais malvados. Na verdade o menino havia testemunhado um assassinato quando criança e os autores (a mãe e o pai no original e a mãe e o amante no filme) convenceram o petiz que ele nada viu e nada ouviu e o coitado se fechou para o mundo. Na busca por uma cura e um espaço no mundo, o pobre Tommy é vítima de tipos asquerosos como o cruel primo Kelvin, o pedófilo tio Ernie e a Rainha do Ácido, mas o que ele queria mesmo era que as pessoas o ouvissem e o sentissem.
Isso tudo é Tommy, obra do genial guitarrista Pete Townshend lançada pelo seu grupo, The Who, em 23 de maio de 1969. Quarto álbum da banda, Tommy causou frisson na época de seu lançamento, dividindo a opinião pública entre os que o achavam uma inovadora obra-prima e os que o desprezavam pelo tema pesado. A BBC e muitas rádios nos Estados Unidos baniram as músicas de sua programação, mas mesmo assim a obra se tornou um dos maiores sucessos do The Who.
Um ano antes do disco ser lançado, Townshend já havia dito, em uma entrevista para a revista Rolling Stone que pretendia compor algo que uniria rock com estrutura de ópera. Recentemente, o autor contou à revista inglesa Uncut que se inspirou no trabalho do conjunto britânico The Pretty Things com o disco conceitual S.F. Sorrow, todo baseado em um conto do vocalista e guitarrista Phill May, que mostrava a história de Sebastian F. Sorrow e sua vida em meio a guerras, romances, tragédia e velhice. Mais do que simplesmente se ater aos tradicionais instrumentos de bandas de rock, Townshend adicionou trompetes, gongos, piano, órgão e solos vocais em seus arranjos. O baixista John Entwistle chegou a afirmar que nunca escutou o disco todo porque ficou enojado com as inúmeras gravações e regravações de cada música, resultado do perfeccionismo do autor.
Tommy foi lançado como disco duplo, acompanhado de um encarte contando a triste história de seu protagonista. Em 1971, a ópera de Seatle o levou aos palcos pela primeira vez com Bete Midler no papel da Rainha do Ácido. Em 1972, no Rainbow Theater, a banda The Who apresentou a ópera acompanhada da Orquestra Sinfônica de Londres e de convidados especiais fazendo os vocais, como Steve Winwood, Rod Stewart, Richie Havens e Ringo Starr.
Uma versão em estúdio foi lançada em LP e acabou levando um Grammy. Em 1975, o prolífico diretor de vanguarda, Ken Russel, levou a obra para as telonas com o vocalista da banda, Roger Daltrey, como Tommy, Ann Margret como sua mãe, Oliver Reed como o amante da mãe e Elton John, Tina Turner, Eric Clapton e Jack Nicholson como coadjuvantes. Algumas mudanças foram feitas na história original (como o amante da mãe matar o pai e não o contrário, conduzindo a trama para uma relação incestuosa entre Margret e Daltrey) e novas músicas foram adicionadas. Foi um tremendo sucesso de crítica e bilheteria e catapultou músicas como Pinball Wizard para o topo das paradas.
Em 1993, Townshend fez uma nova adaptação, desta vez para a Broadway, mas os tempos eram outros e o autor também. A maior mudança foi no final onde Tommy abraça a vida em família e versos como ¿a liberdade reside na normalidade¿ foram incluídos, eliminando outros como ¿hey, senhora normalidade, não tente ganhar minha confiança¿. Em 1998, a ópera-rock entrou para o Hall of Fame do Grammy por seu significativo valor histórico e artístico, enquanto em 2003 a revista Rolling Stone a colocou como 96º nos 500 maiores álbuns de todos os tempos.
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