sexta-feira, 23 de maio de 2008

Com quatro horas, 'Che' é drama desequilibrado

Orlando Margarido
Direto de Cannes

Che, de Steven Soderbergh, é o projeto mais ambicioso na competição do Festival de Cannes, com sua duração de quatro horas e a tentativa de desvendar o homem por trás do mito.

Mas o filme, o retrato do líder guerrilheiro Che Guevara do momento que inicia a trajetória para chegar ao poder de Cuba pela revolução até o combate frustrado e morte na Bolívia, desaponta na soma final ao optar por um início épico e terminar em tom baixo-astral e de desilusão.

Não é o que se espera de uma cinebiografia do herói revolucionário (interpretado por Benicio Del Toro) que abre as comemorações do cinqüentenário, no próximo ano, da entrada de Fidel Castro e seus companheiros em Havana. E nem precisaria ser um filme comemorativo, se o diretor norte-americano Steven Soderbergh não tivesse apontado em entrevistas que acha seu personagem fascinante e queria homenageá-lo não apenas por um ato, mas por vários no período em que lutou na guerrilha.

O que se vê é uma primeira parte de vitória ser eclipsada por uma sequência de derrota. Mesmo revestida com boas cenas de ação na selva, o segundo capítulo joga uma pá de cal nos feitos de Guevara.

Mesmo com alguns vícios de teledrama, um detalhe ou outro de sentimentalismo, Che tem uma estrutura consistente e contribui para uma leitura mais realista do personagem.

A opção mais interessante do diretor, além da ousada decisão de realizar a fita em espanhol, é manter sua câmera sempre bem perto dos homens líderes da revolução, e dar voz a eles para um debate de idéias ou a expressão dos pontos de vista do protagonista.

Porto-riquenho com carreira em Hollywood, Del Toro dá conta do recado, assim como boa parte do elenco latino-americano, entre ele, o mexicano Demián Bichir, no papel de Fidel, o cubano Jorge Perugorría e o brasileiro Rodrigo Santoro, que com poucas cenas interpreta Raul Castro, irmão de Fidel e atualmente no poder em Cuba.

Soderbergh explicou que seu interesse não era Cuba e sim o personagem Che. Chega ao ponto de sugerir, mas não mostrar a entrada em Havana. Em idas e vindas no tempo, o diretor prefere focar momentos chaves do guerrilheiro na Sierra Maestra, no famoso discurso da ONU, em 1964, e numa entrevista a uma jornalista americana.

"Não há um Che Guevara, mas vários por trás daquele famoso rosto estampado em camisetas por todo o mundo; fui atrás de alguns deles e isso incorre em riscos, como o de ficar apenas atrelado a um perfil combatente ou a outro romântico", disse o diretor.

Soderbergh conta que, mesmo doente, Fidel Castro sabia do projeto e acompanhou o processo da pré-produção por constantes informações de assistentes. O cineasta esteve cinco vezes em Cuba para os preparativos da fita, assim como parte do elenco foi à ilha caribenha para pesquisar seus personagens, caso de Bichir, que encontrou Fidel uma vez, e Santoro.

O ator brasileiro comentou que foi um desafio interpretar Raul, já que pouco se sabia do irmão de Fidel antes de ele passar a governar o país, e muito menos que papel teve na luta da chegada ao poder.

"Ele sempre teve uma figura um tanto misteriosa, na sombra do governo, e isso mudou radicalmente quando ele assumiu o lugar do irmão, o que aconteceu no meio do processo do filme; portanto era necessário saber o mais possível sobre sua personalidade", disse.

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