Durante a entrevista habitual da manhã do time do filme Birdwatchers, co-produção entre Brasil e Itália dirigida por Marco Bechis, a índia cayowá Eliane Juca da Silva fez um inflamado e tocante apelo, chegando a chorar. "Não temos mais rio para pescar, água para beber, mato para caçar e lugar para rezar", disse. "A terra que era nossa está muito pequena, não tem como plantar e os fazendeiros pensam que somos invasores; acho que esse filme vai contar melhor para o brasileiro e para o estrangeiro qual é a nossa realidade, pois há muita mentira dita por aí".
Eliane é um dos intérpretes guaranis-cayowás que atuam na produção com nomes fictícios, ao lado de atores brasileiros e italianos, mas representando a realidade da tribo espremida entre a reserva que o governo federal instituiu e as terras de fazendeiros cultivadas com soja e cana-de-açúcar.
"Vocês brancos nos ensinaram ser como vocês, nos vestir como vocês, nos alimentar como vocês, e agora eu acho que temos de ter as mesmas oportunidades de vocês, chegar a ser um advogado, por exemplo, para defender nossa causa". Ela ainda lembrou que o filme pode ajudar em conquistas para a comunidade. "Querem nos expulsar de novo; eu tenho orgulho de ser indígena e esperança de que com esse filme o governo respeite nossos costumes", finalizou.
A delicada e séria discussão indígena e os elementos emotivos que avivaram o debate fora da tela também estão na tela, o que é uma ótima notícia para uma competição ainda fria, sem um título a ser verdadeiramente considerado digno de um festival desse porte. Entre a imprensa brasileira, ocorreu também certo alívio, dado o tema sempre muito arriscado da visão de um estrangeiro - Bechis nasceu no Chile e vive na Itália - sobre o Brasil indígena que tanto alimenta o cinema de estereótipos.
Mas na primeira cena, o diretor do ótimo Garage Olimpo - sobre desaparecidos na ditadura argentina - já diz a que veio. Turistas passeiam de barco por um rio do Mato Grosso do Sul quando são atraídos pela visão de índios guaranis-cayowás em ação na margem, com suas vestes e instrumentos típicos.
Um corte e o espectador vê o grupo indígena, já sem seus trajes, recebendo dinheiro de uma fazendeira pela encenação ocorrida pouco antes. A sequência explica também o título da fita, sobre os admiradores de aves que ali também fazem o mesmo com as "avis rara" que são os índios.
O filme se estabelece então nesse pequeno núcleo dos cayowás que decidiu abandonar a reserva e retornar às terras dos seus ancestrais, agora pertencentes a um rico fazendeiro (Leonardo Medeiros). Dois motes principais compõem a narrativa a partir daí: a questão da propriedade da terra e o suicídio constante dos jovens indígenas sem uma razão certa, mas ligada à confusão de identidade e valores.
Um dos personagens centrais é o adolescente cayowá Osvaldo, escolhido para o aprendizado de pajé, ao mesmo tempo que se envolve com a filha do fazendeiro.
Com a colaboração valorosa do brasileiro Luiz Bolognesi (Chega de Saudade) no roteiro, Bechis mantém a tensão dramática durante todo o filme e contextualiza muito bem a situação instável dos indígenas. Um dos componentes dessa instabilidade é o problema de trabalho nas fazendas, intermediado pelo personagem de Matheus Nachtergaele, um comerciante de dúbio comportamento.
Questionado na entrevista, Bechis não acredita que os cayowás sejam hoje metade indígenas metade brancos e sim que eles mantêm suas tradições intactas dentro deles. "Estou convencido que eles têm muita chance ainda de manter suas tradições", disse o cineasta. "Porque, ao contrário de nós, sempre pouco curiosos e interessados no que pode acontecer ao outro, os indígenas têm esperança no outro".
Fonte: Terra
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