Agência Brasil
Uma portaria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), editada no último dia 15 de dezembro, estabeleceu novas regras para a criação de assentamentos da reforma agrária em terras públicas da União geridas pelo órgão. A norma, segundo a autarquia, cria diretrizes e procedimentos objetivos, mas é alvo de críticas de órgãos como a Defensoria Pública da União (DPU).
Uma nota técnica do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Mato Grosso (CEDH-MT) e da Defensoria Regional de Direitos Humanos da DPU, também no mesmo estado, afirma que o ato pode inviabilizar a criação de novas áreas de assentamento, já que uma das principais exigências, para o prosseguimento desse tipo processo, é não haver pedido de regularização fundiária, mesmo que seja um pedido com indício de grilagem.
"Esta portaria traz em seu bojo uma série de diretrizes que, na prática, inviabilizam a declaração de interesse social das áreas públicas e, em realidade, impede a criação de Projetos de Assentamentos, possibilitando a regularização fundiária de áreas griladas", diz um trecho da nota técnica.
À Agência Brasil, o defensor público federal Renan Vinicius Sotto Mayor explicou que a portaria contraria dispositivos constitucionais que determinam prioridade à criação de novos assentamentos em áreas públicas não destinadas.
"O Plano Nacional de Reforma Agrária é uma diretriz fundamental para a destinação de terras públicas, no plano constitucional e da legislação brasileira", argumenta.
Sotto Mayor acrescenta ainda que, no estado de Mato Grosso, "a maioria das áreas públicas tem pedidos de regularização fundiária por parte dos ocupantes ilegais, inclusive com o fracionamento das áreas, e solicitação da regularização fundiária em nome de terceiros".
A criação de assentamentos rurais de reforma agrária é realizada pelo Incra por três tipos de modalidades principais: a desapropriação de terras particulares que não cumprem a função social, a destinação de terras públicas e a compra e venda direta de áreas.
Em nota, o órgão informou que, no caso de terras públicas, elas podem ser destinadas para diferentes usos, além de assentamentos de reforma agrária, incluindo, por exemplo, a criação de unidades de conservação, reconhecimento de terras indígenas ou regularização fundiária.
"A regularização fundiária de áreas públicas é executada pelo Incra de forma compatível com a política de reforma agrária e em conformidade com as manifestações de interesses de outros órgãos federais a fim de evitar sobreposição com demandas de destinação de áreas para unidades de conservação e terras indígenas, por exemplo", diz a autarquia. Apesar disso, o Incra admite que a regularização fundiária é a ação prioritária do governo.
"O Governo Federal definiu a regularização fundiária como ação prioritária para promover segurança jurídica no campo, reduzir conflitos agrários, incentivar a regularidade ambiental e inclusão produtiva e social das famílias que detêm posses em terras públicas. O processo de regularização e titulação de áreas públicas garante à família o domínio da terra, evitando disputas pela posse, assegura o acesso a políticas públicas de apoio à agricultura e permite a sucessão familiar".
Sobre a portaria, a autarquia agrária rebateu o argumento de que ela "inviabiliza" a reforma agrária em terras públicas. "A portaria determinou a necessidade de observar questões como a emissão de parecer técnico sobre viabilidade (ambiental e agronômica) de destinação da área, a existência de demanda comprovada de assentamento de famílias, a identificação de ocupações passíveis de regularização fundiária nos termos da Lei nº 11.952, de 2009 e a análise preliminar de atendimento dos requisitos legais dos ocupantes passíveis de regularização fundiária".
Números
No período de 2019 a 2022, foram incorporados ao Programa Nacional de Reforma Agrária, segundo o Incra, 36 novos assentamentos, totalizando 306,7 mil hectares.
Foram 18 áreas desapropriadas (31,3 mil hectares), dois projetos criados por meio de compra de áreas (572 hectares), destinação de cinco terras públicas federais (42,1 mil hectares) e criação de assentamentos em terras públicas estaduais (4,3 mil hectares).
Ao todo, no mesmo período, foram assentadas cerca de 20,8 mil famílias nas áreas obtidas pelas diferentes modalidades. Esses números são inferiores ao de governos anteriores, com exceção da gestão de Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2018, que assentou cerca de 8,8 mil famílias.
No primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entre 1995 e 1998, foram assentadas 287,9 mil famílias. No primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2003 e 2006, o total de famílias assentadas foi de 381,4 mil. Já no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), entre 2010 e 2014, foram 107,3 mil famílias assentadas.
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