quinta-feira, 29 de setembro de 2016

ESTREIA-Drama peruano “A Passageira” remexe em fantasmas da história do país


Raro exemplar do cinema peruano a estrear no Brasil, o drama político “A Passageira”, de Salvador del Solar, remexe em fantasmas mal-sepultados da história recente daquele país.

O protagonista é Magallanes (o ator mexicano Damián Alcázar), ex-soldado e participante da guerra suja, atuando, décadas atrás, no interior, em Ayacucho – onde militares combatiam a ferro e fogo a guerrilha do Sendero Luminoso, vitimando inúmeros camponeses inocentes no fogo cruzado por suposta colaboração com os guerrilheiros.

Até hoje, este homem vive em função daquele passado obscuro, servindo como motorista de um antigo superior, o coronel (o ator argentino Federico Luppi) – que hoje está velho, debilitado e doente, com mal de Alzheimer e dependendo de uma cadeira de rodas.

Parte do dia, Magallanes usa o velho carro de um amigo e ex-colega de tropa como táxi. E aí recebe uma passageira (Magaly Solier) de quem ele procura esconder o rosto e que ele conhece muito bem.

Há uma sombria história de violência sexual envolvendo esta moça, Celina, quando ainda era uma menina, menor de idade, o coronel e Magallanes. E um dos acertos da direção é compartilhar a conta-gotas com o espectador o que realmente aconteceu e as razões por trás das atitudes cada vez mais impulsivas de Magallanes.

Outro acerto é o comando desta abordagem intimista para a revelação de bastidores obscuros da política peruana – que opera em chaves que qualquer latino-americano, brasileiro inclusive, é capaz de reconhecer com clareza.

Estas escolhas funcionam especialmente pelo bom ajuste do roteiro – também assinado por del Solar, premiado protagonista do filme “Pantaleão e as Visitadoras” (2000), baseado na obra de Vargas Llosa. Além disso, o desenvolvimento do personagem de Magallanes por Damián Alcázar é feito de maneira extremamente sutil e matizada, desdobrando suas diversas camadas, o que proporciona ao filme uma complexidade maior do que se supõe à primeira vista.

Pelo modo como é contada, a história expõe os crimes cometidos contra a moça – símbolo das populações civis e indígenas do interior peruano -, mas não deixa de contemplar a tragédia imposta aos seus perpetradores, como Magallanes, humanizando-o, sem absolvê-lo, nem aos seus cúmplices. Isto permite ao filme atingir uma riqueza dramática muito maior do que se se limitasse a uma evocação maniqueísta daqueles dias.

(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

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