O Dia
Chegou a hora de aprender com o "pequeno grande coração" de Chicão, do jeito que sua mãe vislumbrou na música 1º de Julho. Desde que Maria Eugênia, companheira de Cássia Eller, ganhou sua guarda, após a morte da cantora, em 2001, pouco se ouviu falar da trajetória do garoto. Aos 16 anos, Francisco Ribeiro Eller descobre o mundo junto de um punhado de amigos-músicos e investe na mesma profissão da mãe e do pai (o baixista Tavinho Fialho, que morreu em acidente de carro pouco antes de o filho nascer).
Fomos encontrar Chicão munido de pandeiro, triângulo, alfaia e microfone. Ele responde pela percussão e vocal no grupo Zarapatéu, que se apresentou no último fim de semana na Lona Cultural Herbert Vianna, no complexo de favelas da Maré. No camarim, pouco antes de entrar no palco, ele deu a primeira entrevista da sua vida e contou que a opção pela carreira musical seria feita mesmo se a mãe não fosse Cássia Eller. "Acho que é algo que vem no sangue, mas meu interesse aconteceu mais pelo acesso à música que ela me proporcionou, através da grande coleção de CDs e vinis que eu herdei, do que pelo fato de ela ser cantora", define.
Em início de carreira, os integrantes do Zarapatéu só querem é tocar e não estão nem aí se, em princípio, ganharem involuntariamente a alcunha de "a banda do filho da Cássia Eller". "Não queremos ser celebridades, queremos que o foco seja a música", decreta o supertímido Chicão, usando sempre o plural para falar sobre o grupo e não ser o alvo das atenções.
Alunos no colégio Centro Educacional Anísio Teixeira (Ceat), em Santa Teresa, onde também estudam música, os colegas estão sempre juntos. Gostam de escutar Chico Buarque, Jorge Ben Jor e Luiz Melodia e costumam perambular juntos pela cidade. "A gente vai à Lapa, curtimos ver shows no Circo Voador e nosso bar preferido é o Simplesmente, em Santa Teresa", revela Chicão, que mora no Cosme Velho.
Desfilando sua vasta cabeleira à la black power e perambulando pelo palco todo o tempo descalço e sem camisa, o jovem percussionista mostra que tem estilo. Sua primeira professora de canto, Isadora Medella, do grupo As Chicas, atesta que ele traz no DNA o talento da mãe. "Ele ainda nem sabe, mas é um músico superafinado e tem um ouvido maravilhoso", avalia.
A mistura sonora do Zarapatéu
Além de Chicão, o Zarapatéu é formado por Artur Sinapse (bateria), Bernardo de Carvalho (clarinete), Bruna Araújo (voz), Daniel Batalha (guitarra), Lucas Videla (percussão e vocal), Marina Chuva (percussão e vocal) e Pedro Moragas (baixo). O nome é uma corruptela do prato sarapatel, típico da culinária de Pernambuco e do Ceará, feito com tripas e outras vísceras de porco. "Nosso som é isso mesmo, uma mistura de tudo o que a gente gosta", explica Sinapse.
No repertório, tocam Mas Que Nada (Jorge Ben Jor) e Roda Viva (Chico Buarque). Entraram em estúdio recentemente para gravar duas músicas, que podem ser conferidas em www.myspace.com/zarapateu. "A gente é muito ligado em sons regionais", conta Marina. Os ensaios são todo fim de semana, na casa de Moragas, em Laranjeiras, sob protestos da vizinha idosa, Dona Madalena. "Todos os shows são dedicados a ela", diverte-se o baixista.
Bruna não compareceu à Maré. A mãe, a cantora Emanuelle Araújo, do grupo Moinho, ficou com medo da filha se apresentar na Faixa de Gaza. O show teve um aspecto especial para Chicão. "Essa barreira tem que acabar. Um bando de caras da Zona Sul estar aqui hoje é irado. Se eu não for músico, quero fazer Ciências Sociais e ser antropólogo", diz.
Lona da Maré
Recém-reaberta, depois de reformas, e erguida na fronteira que separa duas facções do tráfico, o espaço cultural cumpre seu papel social. "Os shows aqui impedem que aconteçam tiroteios. Essa é a lona mais importante do Rio", garante Edson Diniz, diretor da Oscip Redes de Desenvolvimento da Maré.
Além do Zarapatéu, a Maré conferiu também o grupo Chácara, de dança contemporânea. Neste sábado é a vez da exibição de Simonal, com presença do produtor do filme, Cláudio Manoel, do Casseta & Planeta. Mulheres de Chico e As Chicas são as próximas atrações. "A ideia é trazer o que as pessoas daqui não tem a oportunidade de assistir", conta Geisa Lino, responsável pela programação do espaço.
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