FOLHAPRESS
Investidores russos quase quadruplicaram o volume de recursos movimentados diariamente em criptomoedas, principalmente o Bitcoin, desde que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, invadiu a vizinha Ucrânia, há cerca de vinte dias.
Grandes consultorias estrangeiras que monitoram as operações de compra e venda das bolsas de moedas digitais --como Binance, Coinbase e Kraken-- indicam que os russos saltaram de uma média diária de US$ 20 milhões em transações com criptomoedas, antes de 24 de fevereiro, para US$ 75 milhões logo após as sanções impostas pela comunidade internacional.
Essa média durante janeiro e o início de fevereiro era de cerca de US$ 15 milhões.
Essas transações vêm sendo acompanhadas pela The Block e Kaiko, empresas de pesquisa de mercado que produzem relatórios para investidores. A americana The Block concentra esforços na Binance, maior corretora de ativos digitais do mundo. A francesa Kaiko engloba outras corretoras.
Os recordes de compras de moedas digitais estão sendo verificados sobretudo na Binance, maior balcão de ativos digitais do mundo fundado por Changpeng Zhao, 44, que, segundo a Forbes, é o chinês mais rico do mundo.
Após o início da invasão da Ucrânia, a média de rublos negociados em criptomoedas, via Binance, saltou de US$ 11 milhões por dia para US$ 35,8 milhões.
Essa situação já havia sido prevista pelo vice-primeiro-ministro da Ucrânia, Mykhailo Fedorov. Três dias após o início da guerra, ele postou em sua conta em uma rede social um apelo para que todos os maiores corretores de moedas digitais bloqueassem as contas de usuários russos e de Belarus, aliado de Putin.
No entanto, a Binance e outras corretoras, como a Coinbase, se recusaram a bloquear todas as contas da Rússia como forma de apertar o cerco financeiro imposto contra o país, o que vem sendo visto como uma forma de facilitar o drible às sanções.
"Nós não iremos bloquear unilateralmente as contas de milhares de usuários inocentes", reagiu Zhao. "As criptos são uma forma de promover mais liberdade financeira para pessoas em todo o mundo. Decidir unilateralmente proibir o acesso das pessoas às suas criptomoedas iria contra a razão de elas existirem."
Consultada, a Binance explicou que está "adotando as medidas necessárias para garantir ações contra aqueles que tiveram sanções impostas, minimizando o impacto para os usuários inocentes".
A empresa diz ainda que se as sanções forem ampliadas, "também serão aplicadas agressivamente".
Desde a invasão, a comunidade internacional tenta asfixiar a Rússia por meio de medidas financeiras duras. As principais foram a retirada das instituições financeiras do país que operam no Swift --sistema global de pagamentos-- e o congelamento das reservas russas em moedas estrangeiras. A maior parte desse colchão está depositada em títulos externos fora da Rússia, que, agora, não podem mais ser vendidos.
A movimentação atípica com criptomoedas sinaliza, ainda segundo as consultorias, para o uso dos mercados digitais como escape às restrições. Essa prática já foi vista no Irã e na Coreia do Norte, ambos também sujeitos a sanções econômicas.
Nesta quarta-feira (2), o ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, afirmou que as potências do G7 estão estudando medidas para impedir que indivíduos e entidades russas alvos de sanções pela invasão da Ucrânia usem criptomoedas para contornar dispositivos de controle.
Além do G7, a Comissão Europeia também estuda se criptoativos estão sendo utilizados para contornar as sanções.
O ministro alemão não especificou quais medidas estão sendo consideradas para limitar o uso dessas moedas digitais.
Para os cidadãos russos, aplicar em criptomoedas é uma forma de evitar perdas milionárias com a desvalorização de sua moeda (rublo). Eles passaram a usar o Bitcoin para pagar contas ou transferir valores, como se fosse uma moeda local.
Na segunda-feira (28), o rublo começou a perder valor em relação ao dólar e ao euro logo após o anúncio feito por nações ocidentais de um conjunto de duras sanções para punir a Rússia pela invasão da Ucrânia, incluindo restrições às reservas monetárias do país.
Nesta quarta (2), o rublo passou a valer menos de US$ 0,01. Desde o início do ano, a moeda russa já perdeu cerca de 30% de seu valor ante o dólar.
A Rússia respondeu a esse movimento dobrando os juros a 20% e dizendo às empresas que convertam 80% de suas receitas em moeda estrangeira no mercado doméstico, uma vez que o banco central, agora sob sanções do Ocidente, interrompeu as intervenções em moeda estrangeira.
À espera de uma quebradeira do sistema bancário local, os ucranianos também embarcaram na compra de criptomoedas como forma de proteger seu patrimônio em moeda local.
Um relatório da Arcane Research indica que eles procuram sobretudo o Bitcoin e o Tether (USDT), considerado a moeda digital mais estável do mercado. A troca, no entanto, é feita com um ágio que gira em torno de 6%, segundo a Kaiko.
Outro motivo para esse crescimento é o interesse dos ucranianos que fogem do país de sacar parte de sua riqueza em outras nações com mais facilidade, algo garantido pelas criptomoedas.
"A criptomoeda virou uma arma de guerra", disse o advogado Guilherme Vieira da Silva, sócio do escritório Demarest, que atua com operações financeiras envolvendo criptoativos. "É uma forma de os russos e ucranianos preservarem sua riqueza diante de uma ação imposta pelo Ocidente."
Para ele, a invasão da Ucrânia servirá de teste para que as criptomoedas sejam testadas como porto seguro contra a volatilidade de moedas de países envolvidos em guerrra.
"Antes, só existia o ouro como opção", disse.
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