quinta-feira, 31 de março de 2022

Recuo eleitoral de Doria vem após vaivéns, tensão e vitórias políticas

 



FOLHAPRESS

CAROLINA LINHARES E ARTUR RODRIGUES

 Sentado na cadeira de governador de São Paulo, João Doria (PSDB) venceu prévias e tentou pavimentar sua candidatura ao Planalto, mas não superou completamente a resistência de políticos e do eleitorado a um gestor visto como trabalhador, mas marqueteiro.


Doria tinha como plano transmitir o cargo ao vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que assumiria a gestão para concorrer à reeleição. Mas, nas últimas horas, Doria disse a aliados que desistiu da eleição e seguirá no governo, o que abriu uma crise entre aliados no PSDB.


Dedicado à pré-campanha, o tucano buscava se viabilizar como candidato da terceira via apesar de ter uma rejeição de 30%, segundo a última pesquisa Datafolha.


O governador só perde numericamente nesse quesito para o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT), que são rejeitados por 55% e 37% respectivamente, de acordo com o levantamento.


A pesquisa da semana passada mostra Lula com 43% das intenções de voto, contra 26% de Bolsonaro, 8% de Sergio Moro (Podemos), 6% de Ciro Gomes (PDT), 2% de Doria e 1% de Simone Tebet (MDB).


Doria está neste momento estacionado nas pesquisas e pressionado pelo governador Eduardo Leite (PSDB-RS), que pretende virar a mesa das prévias e ser escolhido candidato com apoio de uma ala do partido.


Nesta terça (29), o senador José Serra (PSDB-SP) afirmou que o resultado das prévias deve ser respeitado —posição também defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na segunda (28).


Por outro lado, o PSDB já tem apalavrada uma coligação com União Brasil e MDB e uma federação com o Cidadania. Os quatro partidos, porém, vão escolher apenas um candidato até junho. Aliados veem mais atributos em Doria do que em Tebet ou Moro e apostam que ele ainda vai decolar nas pesquisas.


Em um jantar de empresários em sua homenagem na noite de quarta (30), Doria afirmou que não precisa necessariamente ser o candidato, citando Tebet e Moro, além de dirigentes da União e do MDB.


"Não é preciso ter a prerrogativa do eu, a prerrogativa é o Brasil, são os brasileiros. Temos que ter grandeza de alma. [...] Essa grandeza exige desprendimento, exige a capacidade de enxergar adiante", disse Doria, afirmando que Lula e Bolsonaro são pesadelos.


Ele também criticou as acusações corrupção no Ministério da Educação e a censura a artistas no Lollapalooza.


Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, Doria tinha o trunfo da vacina e uma série de vitrines em diversas áreas, como investimentos recorde, crescimento econômico, obras do metrô e de estradas, ensino integral e despoluição do rio Pinheiros —embora haja dúvidas se o tucano vai conseguir capitalizar as entregas.


Um levantamento com 50 das principais metas da gestão mostra que quase metade delas não foi realizada (24%) ou está em fase inicial (20%). Outras 12% foram concluídas, 16% estão em estágio avançado, e 28% seguem em andamento.


O ponto fraco de Doria, segundo aliados e detratores ouvidos pela reportagem, está na falta de habilidade política e no excesso de marketing. O governador foi descrito como afoito e personalista ao mesmo tempo que competente e dedicado.


Ainda assim, Doria já venceu três prévias e duas eleições. Pautou-se no antipetismo, na antipolítica, no combate à corrupção e na segurança pública –fórmula que não deve se repetir em 2022.


Ao traçar uma rota ao Planalto, que vinha sendo seu objetivo desde que venceu a eleição para a prefeitura da capital paulista em 2016, Doria não conseguiu arrebatar o próprio partido, comprou brigas com aliados, tropeçou na articulação política e teve mudanças de postura, o que lhe grudou uma fama de oportunista.


Seu principal cavalo de pau foi na relação com Bolsonaro. Depois de se eleger governador de carona no BolsoDoria, o tucano rompeu com o presidente e se projetou como seu principal rival na pandemia.


O movimento colocou Doria, chamado de "calça apertada" por bolsonaristas, na mira de apoiadores do presidente, seja em carreatas ou nas redes sociais.


Por outro lado, o governador já não tinha a simpatia da esquerda e nunca abandou a trincheira do antipetismo, sendo crítico a Lula. Isso não mudou apesar de Doria ter abraçado temas progressistas como o feminismo e o antirracismo.


Na pandemia, quando Doria tomou a frente contra o negacionismo bolsonarista, também houve postura errática em decisões sobre fechamento de comércio e liberação de máscara, evidenciando o conflito entre seguir a ciência ou construir uma boa imagem.


Exemplos de tropeços nessa área foram as viagens a Miami e ao Rio de Janeiro enquanto o "fica em casa" imperava. Doria também despertou a ira de Bolsonaro e de outros governadores ao iniciar a vacinação contra a Covid em São Paulo antes do restante do país.


A exposição de Doria durante a pandemia é vista até por aliados como excessiva e dada como explicação da sua rejeição. Se houve o benefício de grudá-lo na vacina, ele também passou a ser associado a notícias ruins.


Nos últimos meses, Doria foi aconselhado a mudar de estratégia: falar mais de sua gestão e não se meter nas brigas políticas.


Até hoje Doria é cobrado por outra incoerência –a renúncia ao cargo de prefeito para ser candidato ao governo.


A promessa quebrada e uma série de projetos erráticos na cidade, como o muro da USP e o anúncio do fim da cracolândia, renderam a antipatia de uma parte dos paulistanos.


Em 2018, quando venceu Márcio França (PSB) por margem apertada de 51,75% a 48,25%, Doria perdeu na capital. Na eleição municipal de 2020, foi escondido na campanha de Bruno Covas (PSDB), que se reelegeu –uma vitória política também para Doria.


Outra circunstância que marca a vida política do governador é o rompimento com seu padrinho, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), que acabou deixando o PSDB, partido que ajudou a fundar.


Em 2018, Alckmin chegou a insinuar que Doria era um traidor. Doria buscou se descolar de Alckmin desde o momento em que pisou no Palácio dos Bandeirantes, a começar por uma reforma na sede do governo.


A intervenção trocou o estilo clássico, antigo e sem cores que lembrava o inquilino anterior pela decoração em tons de cinza que espelha escritórios corporativos.


Doria ainda buscou cursos em restaurantes para profissionalizar chefs que o atendem no palácio e instalou um equipado estúdio de rádio e TV para conceder entrevistas.


Entre parlamentares e dirigentes, a diferença ficou evidente. No lugar de cafezinhos e causos proporcionados por Alckmin a aliados, o que se via eram reuniões com tempo cronometrado, atrasos punidos com multa, celulares banidos e uma série de eventos, inaugurações e entrevistas.


No Bandeirantes, Doria encarnou o estilo gestor e, com menos traquejo na área, delegou a política para aliados, como o vice Rodrigo e os secretários Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional) e Antônio Imbassahy (encarregado da articulação em Brasília).


Doria se cercou de uma equipe de porte de ministério, composta tanto por técnicos como por políticos experientes, o que proporcionou uma série de entregas.


O ex-ministro Henrique Meirelles, por exemplo, deve deixar o governo e pode trocar o PSD, pelo qual se lançaria ao Senado em Goiás, pelo MDB, onde poderia ser vice de Rodrigo.


Em relação à política estadual, Doria manteve a base ampla e fiel do PSDB na Assembleia Legislativa e teve êxito em aprovar reformas, extinguir estatais e enterrar CPIs.


Também expandiu o número de prefeituras e vices do partido para o recorde de 250 e 147, respectivamente, no estado que tem 645 cidades, consolidando o domínio paulista.


O apoio ao governador, em prefeituras e na Assembleia, foi pavimentado na distribuição recorde de emendas extras revelada pela Folha de S.Paulo –mais de R$ 1 bilhão destinados a irrigar as bases dos aliados no primeiro semestre de 2021.


Entre os membros do PSDB, Doria estava ao mesmo tempo na condição de presidenciável e de estranho no ninho. Tucanos afirmam que o governador agravou os rachas na legenda.


Depois de se eleger governador, ele buscou ascensão sobre o partido, chegando a forçar uma mudança para o "novo PSDB", o que não emplacou.


Em fevereiro de 2021, um jantar em que Doria organizou para líderes tucanos no palácio se tornou o símbolo da falta de tato do governador e da resistência a ele no partido.


Aliados de Doria sugeriram que ele assumisse a presidência da sigla, o que desencadeou uma reação da bancada de deputados –foram a Porto Alegre pedir que Leite concorresse ao Planalto, forçando as prévias.


Doria falhou logo na primeira queda de braço interna quando, em agosto de 2019, propôs a expulsão de Aécio Neves (PSDB-MG), implicado no áudio da JBS, e perdeu na votação da executiva do partido por 30 a 4. Aécio foi absolvido neste mês.


Desde então, Doria tem Aécio como inimigo na sigla –o mineiro opera contra os interesses do paulista e lhe impôs outras derrotas, como na definição das regras das prévias presidenciais tucanas.


Aliás, a maioria (54% a 44,7%) nas prévias contra Leite foi conquistada a duras penas. A competição foi intensa, com troca de farpas e acusações de aliados de Leite a respeito do uso da máquina do PSDB-SP para mobilização de prefeitos e militantes.


Um total de 92 prefeitos e vices de São Paulo suspeitos de terem a data de filiação fraudada acabaram impedidos de participar das prévias.


No percurso do governo, Doria também comprou brigas com aliados em outras siglas, como ACM Neto (União Brasil), ao filiar Rodrigo ao PSDB, e como Gilberto Kassab (PSD), que foi secretário fantasma da gestão após se afastar por denúncia de corrupção.


*


ATIVOS DE DORIA


- Venceu as prévias presidenciais do PSDB e as demais prévias que disputou


- Obteve número recorde de prefeitos filiados ao PSDB em São Paulo


- Teve base ampla na Assembleia e aprovou todos seus projetos


- Possibilitou a vacinação no Brasil


- Tem fama de eficiente e trabalhador, com uma extensa vitrine de entregas e investimentos


ESCORREGÕES DE DORIA


- Alta rejeição e estagnação nas pesquisas eleitorais


- Ampliou a divisão interna no PSDB


- Teve recuos na condução da pandemia e em compromissos, como o de cumprir o mandato de prefeito


- É criticado pela articulação política e por romper com antes aliados, como Alckmin e Bolsonaro


- Tem fama de marqueteiro e personalista


QUE DIZEM SOBRE DORIA


Querem colocar um carimbo de que Doria não tem aliados, mas isso não é verdade. Se é um bom gestor, é um bom politico. As pessoas não estão acostumadas com um perfil de líder como de Doria. Ele não tem certos receios ou vícios que políticos têm e toma decisões considerando fatores técnicos.


Fernando Alfredo, presidente do PSDB municipal de São Paulo


Para o Grande ABC, o governo Doria foi um dos melhores das últimas décadas.[...] O governador também teve papel preponderante durante a pandemia, se preparando para os momentos mais críticos e, principalmente, trazendo a vacina que salvou milhares de vidas [...]. Isso tudo foi construído por meio de uma boa relação junto aos prefeitos, de forma democrática.


Orlando Morando, prefeito de São Bernardo do Campo, que respondeu em nota


Doria foi legitimado candidato do PSDB pelas prévias. Tem que se avaliar a sua capacidade de gestão, que é inconteste. Vai chegar o momento de ele ser reconhecido pelo trabalho que fez.


Bruna Furlan, deputada federal (PSDB-SP)


Doria revelou-se ótimo administrador, homem trabalhador e dedicado. Foi exemplo no combate à pandemia da Covid. Pena que cometeu erros políticos, principalmente com a bancada parlamentar. Foi assessorado equivocadamente, dentro de uma ótica local, sem dialogar com o restante do Brasil.


Paulo Abi-Ackel, deputado federal (PSDB-MG)


Doria interferiu fortemente na escolha da liderança na Câmara e cultivou uma declarada inimizade com integrantes da bancada federal. Ninguém confia ou acredita em quem não tem projetos de desenvolvimento, somente projeto de poder. Ele poderia estar mais próximo de seus sonhos pessoais se construísse pontes em vez de muros.


Celso Sabino, deputado federal (União Brasil-BA, antes no PSDB)


Doria é mal avaliado mesmo em São Paulo e tem baixa intenção de votos. O PSDB tem governos sucessivos em São Paulo, que sempre se reelegeram porque fizeram muitas entregas. E agora Doria está nos colocando numa situação em que a sucessão se torna uma incógnita.


José Aníbal, ex-senador (PSDB-SP)


A gestão Doria/Rodrigo é reconhecida no meio público como de muita eficiência. Há um descolamento entre essa percepção e a intenção de votos. Houve algum equívoco na comunicação e Doria agora terá mais tempo de se dedicar a tentar reduzir essa distância.


Bruno Araújo, presidente do PSDB

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