sábado, 6 de agosto de 2022

Sul-mato-grossenses relembram como foi estar de frente com Jô Soares

 

Brasil perde um de seus maiores comunicadores; entrevistados de MS relembram como foi estar cara a cara com o ídolo, que encontrou astro dos EUA na Capital

MARCOS PIERRY


Engraçado, carismático, um comunicador perfeito. Impressionante, querido, um dos maiores do mundo, um tremendo cara. 


São com essas palavras que os entrevistados de Mato Grosso do Sul que passaram pelo sofá de Jô Soares, em seus programas de entrevista no SBT e na Globo, evocam a imagem do apresentador, humorista e escritor que deixou o Brasil bem mais sem graça com a sua partida na madrugada de quinta para sexta-feira.


Os adjetivos, os superlativos e a espontânea intensidade das manifestações de afeto são recorrentes nos depoimentos colhidos para esta reportagem. E dão uma boa medida do verdadeiro gigante que foi o carioca José Eugênio Soares.


O artista de mil instrumentos e de família rica, que o despachou para estudar na Suíça ainda menino, falava várias línguas, escreveu nove livros e estreou na televisão em 1961 (“Família Trapo”, Record). Porém, já em 1954, dava as caras no cinema, em uma chanchada, “Rei do Movimento”, ao lado de Ankito (1924-2009) e Wilson Grey (1923-1993).


Aos 84 anos de uma vida intensa e de uma força criativa impressionante, Jô Soares, nascido em 16 janeiro de 1938, faleceu de causas não reveladas, em São Paulo, no Hospital Sírio-Libanês, onde estava internado desde o dia 28 de julho.


A última aparição pública do apresentador foi em maio de 2021, na capital paulista, durante a vacinação contra a Covid-19. A última entrevista, em 16 de dezembro de 2016, no “Programa do Jô” (Globo), foi com o escritor e ilustrador Ziraldo. Também cronista, ator, dramaturgo, diretor de peças teatrais, programas televisivos e de um único longa-metragem, “O Pai do Povo” (1976), Jô se destacou em tudo a que se dedicou.


PANTANAL

Foi ainda músico e grande apreciador de jazz, gênero musical ao qual chegou a dedicar um programa de rádio. Mas foi na comédia, com a criação e interpretação de 300 personagens, e na arte do talk show, com a marca de 14 mil entrevistas realizadas, que o gênio se consagrou.


Uma de suas passagens por Campo Grande, há pouco mais de duas décadas, é narrada pelo próprio humorista no primeiro volume de suas memórias, “O Livro de Jô” (2017), lançadas pela Cia. das Letras.


“E o Pantanal? Vocês vão ficar impressionados. Verão árvores imensas cobertas de pássaros coloridos. Parece o paraíso”, diz Jô, em inglês, ao ator Peter Fonda, quando esteve com o astro de “Easy Rider” (1969) no Hotel Jandaia em Campo Grande. O registro ainda resiste ao tempo no YouTube.


Mas quem foi entrevistado pelo craque também compartilha lembranças pessoais. Traço comum em todos os depoimentos, passar suas sabatinas era uma espécie de distinção. Parece haver um “antes” e um “depois” de ter sido entrevistado por Jô Soares.  


No SBT, o “Jô Soares Onze e Meia” durou de 1988 a 1999. Na Globo, onde estreou em 1970, o “Programa do Jô” estendeu-se de 2000 a 2016. Fora o Reizinho, o Gardelon, o Gandola e tantos outros personagens impagáveis que lhe ampliam, sobremaneira, a majestade.


TETÊ

“Fiz dois programas do Jô [um deles em 1994]. A gente ficou encantado um com o outro. Eu cantando a música ‘Vulgar’, tocando a minha craviola. Aí ele vira e fala assim ‘nossa , como você é uma gueixa’. É isso que ficou muito marcado para mim. Uma gueixa”, conta Tetê Espíndola.


“E no outro eu fui com o meu marido e com o meu filho tocando, quando eu fiz um disco só com as composições do Arnaldo Black (cônjuge de Tetê). Foi demais. Uma entrevista muito carinhosa, muito engraçada, lidando mais com a coisa familiar”, conta a cantora.


ARQUEÓLOGA

“Uma noite eu estava assistindo ao programa e mandei uma sugestão de pauta, sobre uma escavação em um sítio arqueológico de 11 mil anos na Ilha de Skye, na Escócia, da qual participei. Ele fazia piada de tudo, pegava na minha mão, abraçava”, relembra a arqueóloga Lia Toledo Brambilla, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.


“Tudo sem cortes, inesperado, por isso o sucesso do programa. Não era aquela coisa amarrada, certinha, ele sentia o entrevistado e conduzia de forma leve e divertida. De uma sensibilidade tremenda”, elogia a arqueóloga.


SEXO E ROCK

No fim da década de oitenta, um programa radiofônico sobre sexo produzido em Campo Grande chamou atenção. “O pessoal do Jô, no SBT, ficou sabendo e entrou em contato. O programa se chamava ‘Amor Livre’. Além de muito culto, ele era engraçado, carismático, um comunicador perfeito”, conta o radialista Robson Ramos.


“Ele me deu uma coleção particular de todos os CDs do Led Zeppelin masterizados pelo Jimmy Page e o Robert Plant. Até hoje eu ouço muito. O Jô vai deixar muita saudade. Um tremendo cara. Sempre amei o Jô muito. Deus está com ele”, diz o ex-senador Delcídio do Amaral.


DÓLAR

“Eu trouxe o Jô Soares aqui três vezes. A primeira foi em 1986. No período de 1989 a 1994, eu trouxe de volta mais duas vezes. O Jô Soares não fazia contrato, eu achei muito esquisito. Outro detalhe é que ele não recebia dinheiro. Ele queria em dólar e pagamos em dólares”, conta o promotor de eventos Pedro Silva.


NEY

Em uma entrevista à jornalista Mariana Godoy, o cantor Ney Matogrosso, que esteve pelo menos em cinco entrevistas com Jô Soares, relembra que já bancou o “segurança” do humorista.


“Fomos pras Diretas Já, aquela loucura, aquela multidão inenarrável de gente. Para subir no palco, tinha muito segurança que brecava, né? E aí estava assim atrás do Jô para entrar no palco. O segurança não me reconheceu e disse assim ‘e você, quem é?’. Eu disse ‘sou segurança dele”, o Jô riu e deixou e eu passei. Agora, imagina, eu com 53 quilos”.


 

“Sabe quem está aqui? O Peter Fonda. Está no bar com a turma dele”

Em 2001, eu fiz um show em uma temporada em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. Sempre que viajava para fazer espetáculos, levava comigo meu amigo e diretor Willem van Weerelt com uma câmera portátil. Realizávamos entrevistas de rua, em um improviso, e depois encaixávamos no talk show. Um dia, quando voltamos para o hotel, o recepcionista nos disse:


– Sabe quem está aqui? O Peter Fonda. Está no bar com a turma dele.


Claro que resolvi subir até o terraço, onde ficava o bar. Imaginem o meu espanto quando chego lá e realmente dou de cara com o Peter Fonda, que estava em uma viagem pela região com uma turma de motoqueiros de Harley-Davidson. Ele comparecia em todas as convenções da Harley que aconteciam pelo mundo. Eu me aproximei e disse que só queria cumprimentá-lo, que seria muito breve porque detesto invadir a vida das pessoas. Mas, para minha surpresa, ele respondeu:


– Eu te vi ontem à noite na televisão. Você se parece com o Rod Steiger!  


Ao ouvir isso, senti que estávamos em sintonia e começamos a bater um longo papo, Peter tomando caipirinha. Aproveitei, pedi licença e fiz uma entrevista externa com ele, em condições precárias, mas que ficou muito boa.


Com informação do portal Correio do Estado

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