terça-feira, 23 de agosto de 2022

Poeta corumbaense Pedro de Medeiros ganha resenha nesta terça na ASL

 


Nascido em 1891, poeta corumbaense ganha resenha e homenagem da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras

MARCOS PIERRY


De talento nato e quase autodidata de formação, Pedro de Medeiros (1891-1943) não teve uma vida longa. 


Mas, com uma trajetória de apenas 51 anos, deixou sua marca como jornalista, poeta e agitador cultural em Corumbá, onde nasceu, e nas outras praças por onde andou, escreveu e também atuou como funcionário público. Basta dizer que Medeiros é quem assina “Lenda Bororo”, o mais célebre poema sobre a Cidade Branca.


Apesar da relevância, a produção do poeta, considerada, de modo geral, como pertencente à cepa simbolista da literatura nacional, caiu no esquecimento e, com o tempo, tornou-se bem menos conhecida do que o nome do autor, que batiza ruas e órgãos públicos em Corumbá e Campo Grande. 


Grande parte do que escreveu foi publicada somente em jornais e acabou se perdendo. Em livro, saiu apenas uma única obra, no ano de 1967, compilada por Djalma de Medeiros, um dos seus sete filhos.


Por tudo isso, o Chá Acadêmico que a Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL) realiza amanhã, a partir das 19h30min, em sua sede, nos Altos do São Francisco, com entrada franca, mais que uma homenagem, tem um caráter de descoberta. A vida e a obra do escritor corumbaense serão resenhadas por Raquel Naveira e Henrique de Medeiros.


SERENATA NA CARROÇA

A dupla de escritores integra o panteão de imortais da ASL e expressa a admiração comum ao homenageado, destacando a contribuição e aspectos do estilo do autor, que cursou apenas o primário, no Colégio Salesiano de Santa Teresa, e aos 14 anos abandonou os estudos. 


Pedro Paulo de Medeiros Júnior, o mais velho dos 10 filhos do coronel Pedro Paulo de Medeiros, ex-prefeito de Corumbá, e de Dona Maria Santa Cruz de Medeiros, foi dado às artes desde os tempos de rapaz.


Não tardou para que sua presença, em eventos de qualquer porte ou natureza, logo fosse vista pela sociedade corumbaense como garantia de animação e novidade. 


Sua sensibilidade para a poesia e a música fazia olhos e ouvidos se voltarem para ele. E o poeta retribuía a atenção, que desde cedo passou a mobilizar nas rodas, com uma sempre renovada capacidade de improvisação.


As paqueras de Medeiros entraram para a história como um espetáculo à parte, acompanhado não somente pela musa que era a crush da vez, mas por todos que estivessem na rua quando o apaixonado e irrequieto poeta passava fazendo uma espécie de serenata ambulante, com um piano em cima de uma carroça. 


Aos 26 anos, em 10 de outubro de 1917, casa-se com Elvira Calderon, mãe de seus sete filhos.


ALMA DA RUA

Em 1919, Medeiros passa a escrever no jornal A Cidade, matutino de Corumbá. A polivalência vai ampliando o leque de intervenções do jovem jornalista, que, além de crônicas e poesias, escrevia peças de teatro e músicas, chegando a fundar um jornal próprio, o Alma da Rua, antes de prestar concurso para o Ministério da Fazenda. 


Foi em Corumbá que preencheu quase todo o tempo de serviço dedicado ao Ministério, mas a autarquia o fez morar também em Cuiabá e no Rio de Janeiro.


Conta-se que, em 1928, durante os despachos em Porto Esperança, a 70 quilômetros de Corumbá, uma enchente de grandes proporções do Rio Paraguai não deixou quase nada em pé no distrito. 


Medeiros teria permanecido inabalável em seu posto, resistindo bravamente em um sobrado de madeira. Um inquérito “burocrático” afasta-o do cargo, e o poeta vai passar o tempo em Campo Grande.


Na Capital, Pedro de Medeiros abre um bar, na esquina da Rua Quatorze de Julho com a Dom Aquino, onde hoje se localiza o Edifício Nakao. Retorna a Corumbá com o arquivamento do inquérito, mas estabelece uma colaboração assídua com a Folha da Serra, escrevendo para a revista campo-grandense de 1931 a 1941.


ALÉM DA LENDA

Problemas de saúde durante a sua última década de vida levam o escritor a períodos de recolhimento, muitas vezes na casa de Ivan, seu irmão, em Campo Grande, na Rua 26 de Agosto. As temporadas abissais apanhavam o menestrel pantaneiro animado e desanimado. 


Por esses tempos, a interrupção da atividade literária e jornalística tornou-se algo comum. Falece em 12 de abril de 1943, na Cidade Branca, em decorrência de uma cardiopatia.


Em que pese o vasto reconhecimento de “Lenda Bororo”, Medeiros não foi poeta de um só poema. “Camalotes”, “Se Eu Pudesse Voltar…”, “Súplica do Menino Pobre”, “No Pantanal”, “Kumel”, “Inquietude” e “13 de Junho” são apontados como alguns dos versos que estariam à altura da homenagem à terra natal.


Apesar do rótulo de simbolista, o apreço pelo cotidiano e por formas mais livres de representá-lo na escrita, a exemplo da crônica, joga uma série de nuances na classificação do poeta e seus predicativos. 


Na verdade, o próprio simbolismo, que tem seus expoentes, no Brasil, em nomes como Augusto dos Anjos e Cruz e Sousa, situa-se a meio caminho entre a estética parnasiana e o modernismo. Conversa para outra hora.


A compilação de 1967, “Poesias-Crônicas-Comentários” inclui a série de crônicas “Às Vezes”, publicadas em A Tribuna, de Corumbá, com o relato sobre fatos, figurões e anônimos. A peça “Cidade Branca”, com três atos e 17 quadros, foi outro agito que saiu das mãos do autor, causando grande alvoroço nos anos 1930, quando foi encenada na Sociedade Italiana. Na década seguinte, Medeiros esteve entre os fundadores da Rádio Difusora Matogrossense, a Z.Y.A.2, para a qual escrevia diariamente o “Comentário do Dia”.  


PALAVRA DE IMORTAL

“Pedro de Medeiros foi um poeta de linguagem fluente e imagética entre o romantismo e o simbolismo, mas com toques realistas. Descreveu as belezas naturais do Pantanal, a brancura calcária de Corumbá, a épica Guerra do Paraguai, as viagens do trem de ferro. Pintou com sua obra, crônicas e poemas, um quadro de costumes dessa região de fronteira”, afirma Raquel Naveira.


“Ele permanece atual, pois traça um perfil sociológico da região, denunciando injustiças sociais, pobreza e sofrimento dos marginalizados”, avalia a escritora, que, uma vez mais, aponta “Lenda Bororo” como o poema “mais emblemático” da pena de Medeiros, destacando o trecho a seguir:


“E Corumbá surgiu, por sobre a Terra Branca,/na alegria sem par do gentil casario,/entre o verde dos montes, no alto da barraca,/debruçada a sorrir para o espelho do rio”, declama Raquel, que anuncia o chá literário desta terça-feira como “uma noite de poesia e história de Mato Grosso do Sul” e de “resgate e memória de um grande vate”.


SOBRINHO

Para Henrique de Medeiros, presidente da ASL e sobrinho do homenageado, as poesias e crônicas do tio trazem um registro de costumes que possibilitam a construção de um referencial de identidade e de memória da sociedade corumbaense e, de certa forma, da sociedade sul-mato-grossense.


“A singularidade e a atualidade de sua obra é justamente o histórico desta mesma obra. O registro que ela permite de uma linha de tempo. A leitura nos leva a um momento bem exposto em seus trabalhos poéticos e de crônicas, uma viagem no tempo”.


“O único livro com sua poesia e crônicas deve ter cerca de 15% da obra literária de Pedro de Medeiros. Obra inédita que foi toda perdida, todos seus textos, muitos, inclusive, manuscritos. Foram entregues em confiança para Gabriel Vandoni de Barros, o Dr. Gaby, escritor, advogado e fazendeiro corumbaense, que se comprometeu a publicá-los, porém, não o fez e, por incrível que pareça, nunca os devolveu, apesar dos inúmeros pedidos”, relata Medeiros.


MÁGOA E DNA

“Seu filho Djalma de Medeiros, no ano em que faleceu, falava muito dessa sua mágoa. Sentia-se culpado por não tornar pública a maior parte da obra do pai. Quando tombaram a casa de Vandoni de Barros, há relatos de que tentaram buscar esse material entre os escritos que lá poderiam estar, mas nada foi encontrado. Dr. Gaby não tinha filhos, e a briga pela herança dele fez com que muita documentação e textos guardados fossem destruídos pelo longo tempo de brigas e disputa pelo que ele deixou. Enfim, ali estavam os inéditos de Pedro de Medeiros”, lamenta o escritor.


Henrique de Medeiros refuta uma influência direta do tio em sua obra, mas compartilha bastidores da infância que traçam um percurso de família particular. 


“Quando criança, meu pai às vezes me falava sobre o tio poeta que eu tinha. ‘Um poeta’: eu imaginava como deveria ser poeta e sobre o significado de se expressar. Essa curiosidade foi responsável desde cedo por muito da minha procura pelo que a gente encontra nos livros e nas artes”, rememora o presidente da ASL.


“O poeta, distante geograficamente e presente na fantasia, foi um dos fortes elos de ligação entre o menino, o papel e a máquina de escrever. O resto, influência, não. Acho que, talvez, só DNA”, despista o imortal. A ASL localiza-se na Rua 14 de Julho, 4.653, Altos do São Francisco. O auditório da Academia possui 200 lugares. Mais informações: www.acletrasms.org.br.


Com informação do Portal correio doEstado

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