sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Pesquisa ajuda a identificar, pelo aroma, mangas com distúrbio do colapso interno

 

                                             Foto; Embrapa-Reprodução

Embrapa


Pesquisadores de cinco instituições públicas do País deram um passo importante para entender o chamado colapso interno, um grave problema que afeta os frutos de manga e causa prejuízos econômicos a produtores e comerciantes. O grupo observou que aromas e compostos voláteis podem servir como marcadores para diferenciar, entre os frutos saudáveis, aqueles que estão com o problema.


Conhecido como um distúrbio fisiológico, o colapso interno é responsável pelo amadurecimento prematuro, aspecto gelatinoso na polpa da fruta, cor mais escura, sabor mais adocicado, amolecimento sob a casca e de difícil detecção externamente. O problema é observado apenas no momento do consumo, quando os frutos são geralmente descartados, gerando desperdício.




Baseado inicialmente em uma pesquisa de mercado e, posteriormente, em modelos estatísticos, o estudo identificou diferença no aroma, além de detectar, qualificar e quantificar uma série de compostos voláteis na casca e no fruto, que se revelaram como indicativos de marcadores de colapso interno.



Os dados mostraram que a cor, a firmeza e os compostos voláteis são importantes para fornecer algumas informações sobre as alterações fisiológicas causadas pelo distúrbio, que ainda não são totalmente conhecidas. Mas é de ocorrência tanto no mercado nacional como no internacional.


Por isso, o estudo dos pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), com a colaboração da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), é fundamental para ajudar a entender o problema. Os resultados podem apoiar a elaboração de estratégias de identificação do distúrbio fisiológico futuramente, antes do consumo, e manejo para reduzir as perdas dos frutos causadas pelo colapso.



O estudo foi conduzido pela engenheira-agrônoma Fernanda Campos Alencar Oldoni, para a obtenção do título de doutora em Alimentos e Nutrição pela Unesp, campus Araraquara. De acordo com ela, o problema do colapso interno é abordado pela comunidade científica desde a década passada.


Sob a orientação de Marcos David Ferreira (foto à direita e vídeo abaixo) e coorientação de Luiz Alberto Colnago, pesquisadores da Embrapa, Oldoni fez primeiramente uma pesquisa de mercado com o objetivo de investigar e explorar o distúrbio fisiológico por meio da percepção de atacadistas da Ceagesp.



Essa etapa identificou, pelo aroma, que as variedades de manga Palmer e Tommy Atkins são as mais suscetíveis ao distúrbio fisiológico. Já em experimentos realizados em laboratórios, com métodos avançados de análise, os pesquisadores encontraram mais de 100 compostos voláteis diferentes nos frutos, dos quais oito estão relacionados ao colapso interno.


Aromas reveladores

A pesquisa de prospecção foi realizada com 30 atacadistas da Ceagesp por meio de questionários, cujas respostas a ajudaram compreender melhor as causas e traçar um perfil para caracterização do colapso interno e planejamento do estudo.



O questionário levantou informações sobre as percepções dos atacadistas quanto à maturação e refrigeração dos frutos, as reclamações sobre o colapso interno e percentual do distúrbio nas cargas comercializadas, variedades mais sujeitas ao distúrbio, além de possíveis sinais externos indicativos do colapso e fatores causais associados.


As variedades Palmer e Tommy Atkins foram citadas por 93% e 76% dos entrevistados, respectivamente, como mais incidentes. De acordo com a pesquisadora, os atacadistas tiveram a percepção de que o tamanho do fruto e teor de fibras poderiam estar associados ao distúrbio, além de fatores externos, como a adubação.



O tamanho maior do fruto foi apontado por 80% dos entrevistados como sendo um dos responsáveis pelo aparecimento do colapso, enquanto 76,7% afirmaram que o teor de fibras é outro fator limitante.


Na visão dos atacadistas, variedades com menos fibras, como a Tommy Atkins, costumam apresentar mais colapso. Mas 90% dos entrevistados acreditam que frutos maduros estão mais associados com o aparecimento do colapso, seguido de adubação (76,7%), tipo de solo (50%), região de produção/origem (46,7%), plantas mais velhas (30%), armazenamento refrigerado (26,7%), clima quente (23,3%), seguido de época de colheita e clima frio, ambos representando 20% das respostas.



De acordo com Oldoni, a percepção dos atacadistas diante de alguns destes fatores corroboram com estudos da literatura, tendo em vista que o baixo teor de cálcio, atraso na colheita e exposição de luz solar na pré-colheita podem estar associados ao aparecimento do colapso. Alguns estudos relacionam o distúrbio com o desequilíbrio nutricional das plantas no campo.


Segundo ela, 93% dos entrevistados afirmaram terem sido notificados sobre reclamações por colapso nas cargas comercializadas. As cargas não refrigeradas são comercializadas por 87% e refrigeradas por 70%, de acordo com os respondentes, sendo que 31% e 54%, respectivamente, relataram já terem apresentado perdas em cargas, por colapso, superiores a 5%.



Outro fato apontado por 27% dos entrevistados é a de que frutos colapsados apresentavam um odor diferenciado. A diferença de aroma entre frutos com o distúrbio fisiológico e frutos sadios foi constatado in loco na Ceagesp.


Ferreira lembra que a literatura científica é vasta sobre as capacidades distintas de humanos diferenciarem odores, inclusive, com implicações médicas. De acordo com cientistas internacionais, isso se deve ao fato de os corpos de seres humanos emitirem centenas de compostos orgânicos voláteis que podem afetar os odores pessoais.


Identificação de voláteis

Baseado no levantamento realizado na Ceagesp, a pesquisa seguiu com experimentos em mangas Palmer em laboratórios, utilizando técnicas avançadas para identificar os compostos voláteis. Os pesquisadores partiram da hipótese de que os frutos com ou sem colapso interno apresentavam características físicas e composição química diferentes. Determinado os parâmetros físico-químicos em triplicata para cada amostra, os pesquisadores caracterizaram e quantificaram os diversos compostos voláteis com a técnica de cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa.



“Nós identificamos mais de uma centena de compostos voláteis diferentes nos frutos. Os voláteis de diversos frutos de manga foram extraídos, concentrados, separados e identificados, gerando uma quantidade enorme de informação”, conta o professor do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP) Stanislau Bogusz Junior.



Quimiometria

Depois disso, com base nos resultados, os pesquisadores obtiveram uma tabela de dados com os compostos presentes em cada fruto e qual a concentração relativa de cada um em cada manga. A partir desse resultado, foi utilizada técnica multivariada de análise de dados, a quimiometria, para identificar quais os compostos voláteis eram capazes de distinguir um fruto com o distúrbio fisiológico entre os saudáveis.



A quimiometria consiste na utilização de modelos matemáticos, entre outros, para a conversão de dados numéricos em informações de caráter químico. O professor Renato Lajarim Carneiro, da UFSCar, explica que foram utilizadas as técnicas quimiométricas de análises de componentes principais (PCA) e a de regressão por quadrados mínimo parciais para análise descriminante (PLS-DA).


“A PCA possibilita analisarmos o quão similar são os perfis químicos dos voláteis quando comparamos diversos frutos, ou seja, possibilita enxergar se existe alguma diferença evidente entre os tipos de compostos voláteis ou mesmo diferença na concentração de um mesmo composto, quando comparamos uma manga colapsada e um fruto não colapsado. Já o PLS-DA permite que criemos um modelo matemático correlacionando a presença dos compostos e a concentração relativa deles com o colapso interno do fruto”, esclareceu o professor.



Segundo Carneiro, isso permite enxergar quais os compostos voláteis responsáveis por diferenciar frutos com ou sem colapso, o que torna possível a identificação de um fruto colapsado apenas analisando os compostos exalados pelo fruto. O ácido metacrílico, éster etílico, etanoato de isopentenila, óxido de limoneno, (E)-2-pentenal, tetradecano e γ-elemeno estão entre os principais marcadores voláteis do colapso interno encontrados nos frutos.


Oldoni concluiu que a avaliação quimiométrica foi adequada para identificar os parâmetros físico-químicos e os compostos voláteis relacionados ao distúrbio fisiológico. “Os frutos com colapso interno apresentaram aumento do índice de cor na casca e na polpa, amolecimento da polpa e realce do sabor”, relata a pesquisadora.



Bogusz Junior explica que os voláteis, assim como o hálito humano, podem mudar em função de diversos fatores, dependendo do que é ingerido ou até mesmo de acordo com a saúde de cada um. “Da mesma forma, frutos sadios e frutos com o colapso interno vão produzir e eliminar diferentes composições de voláteis. A aplicação prática desse estudo é fascinante, pois acreditamos que, em algum momento, poderemos diferenciar os frutos com colapso interno dos frutos sadios, sem a necessidade de cortar, fatiar ou abrir os frutos”, prevê o professor.


Além disso, ele diz que os estudos futuros sobre as rotas bioquímicas, que levam à formação desses marcadores, podem ser muito úteis para que as causas do colapso interno possam ser conhecidas e controladas.



Ferreira afirma que a identificação precoce de problemas fisiológicos internos contribui para o direcionamento desses frutos para outros fins, antes mesmo que cheguem ao consumidor. Segundo ele, isso evitaria o descarte, reduziria as perdas e desperdício e contribuiria para o uso racional de recursos.


“Muitas dessas frutas são exportadas ou transportadas internamente em grandes distâncias, com gastos desnecessários para um produto que não será consumido. Dessa forma, pode-se buscar aumentar a eficiência com impactos positivos para o ambiente, evitando que alimentem os lixões, e não pessoas”, afirma o pesquisador.

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