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sexta-feira, 17 de abril de 2020
País registrou 1.833 conflitos no campo em 2019, mostra relatório
Agência Brasil Foto: Arquivo
Levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado hoje (17), revela que o Brasil registrou, em 2019, 1.833 conflitos no campo, o número mais elevado dos últimos cinco anos e 23% superior ao de 2018. O dado reúne ocorrências relacionadas a disputas por terra, disputas por água e conflitos trabalhistas.
Segundo o relatório, no ano passado, houve recorde em disputas por terra, desde que os casos passaram a ser reportados pela entidade, em 1985. Em 2019, foram contabilizadas 1.254 ocorrências. A média foi de cinco casos por dia. De acordo com a organização, as disputas por terra impactaram a vida de 859.023 pessoas.
Além das propriedades de terra, a falta de acesso à água potável ou a iminência da falta estiveram no cerne dos conflitos, fazendo-se presentes em 489 deles. O índice foi 77% superior ao de 2018 (276). A CPT observa que as lutas em torno da água afetaram 279.172 pessoas, pertencentes a 69.793 famílias.
O relatório mostra que em 2019 o número de assassinatos chegou a 32, o que representa quatro casos a mais do que no ano anterior. Desse total, 28 estão associados a disputas por terra, três a conflitos trabalhistas e uma à disputa por água.
Uma das vítimas foi o mototaxista Márcio Rodrigues dos Reis, de 33 anos. Principal testemunha de defesa de padre José Amaro Lopes de Sousa, ele próprio era também uma liderança, em Anapu, no Pará. O assassinato aconteceu em 4 de dezembro, quando, segundo a CPT, o mototaxista foi alvo de uma emboscada.
O total de tentativas de assassinato passou de 28 para 30, de 2018 para 2019. A diferença é de 7%, menor do que a variação de ameaças de morte, que subiram 22%, com o aumento de 165 para 201 casos.
Interesses do setor privado
O documento da CPT estabelece ligação de interesses empresariais com os conflitos por água, informando que o setor de mineração está envolvido em 189 casos (39%). Hidrelétricas, por sua vez, têm conexão com 54 (11%), enquanto empresários e governos participaram, respectivamente, de 117 (36%) e 33 (7%) conflitos. Foram registradas 40 denúncias por parte da população, dado que inclui agressões, contaminação por mercúrio, ameaças de morte, danos, humilhação, intimidação e omissão.
"A gente, observando os conflitos por terra, vê que se concentram em regiões do agronegócio, das mineradoras, das madeireiras, das obras de infraestrutura, como barragens. Os estados mais conflitivos foram o Maranhão, o Pará, que sempre é o primeiro [na lista] e a Bahia, sobretudo o oeste do estado", destaca Ruben Siqueira, da coordenação nacional da CPT.
Na opinião de Siqueira, atualmente "há uma facilitação, no campo dos três Poderes" para que esses projetos sejam viabilizados. "Temos um mundo globalizado e a ideologia e a política estratégica da globalização é o neoliberalismo que hoje alguns já chamam de hiperliberalismo, que é quando se reduz o espaço, se submete mais ainda o Estado à pressão do capital, seja produtivo, seja improdutivo, que é o hegemônico, financeiro, mas que se realiza sobre os negócios reais, os bens reais. Isso valoriza os papéis no mercado financeiro, e a desregulamentação, a facilitação desses negócios. Outros também chamam isso de necropolítica, que é quando se produz a morte e ela é vantajosa para certos setores econômicos cada vez mais concentrados no capital. O grande exemplo disso, em 2019, foi Brumadinho", acrescenta.
Mobilizações
Em entrevista à Agência Brasil, Siqueira ressalta que a alta de ocorrências acabou sendo acompanhada por uma acentuada mobilização social. De acordo com a comissão, foram contabilizada, em 2019, 1.301 manifestações que envolveram o engajamento de cerca de 240 mil pessoas. Ao todo, portanto, foram realizados 3,5 protestos por dia, em média, que representam um crescimento de 142% em relação a 2018, ano de 538 atos. Trata-se do maior volume já registrado pela organização.
Com 516 manifestações (40%), o Nordeste do país liderou a lista. Na sequência, estão Sudeste (251) e Sul (223). Quanto à adesão, o Nordeste foi a região que mais se destacou, com 106.451 manifestantes, seguida pelo Sul, em que 52.950 lutaram pelas causas.
"Cresceu o número de manifestações públicas, de rua, numerosas, ocupações de prédios públicos, acampamentos na frente do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. O brasileiro tem uma história de repressão que está no seu DNA, eu diria", afirma Siqueira.
Amazônia
O relatório aponta que, dos assassinatos registrados no ano passado, 27 (84%) ocorreram na região amazônica, aspecto também comentado por Siqueira. A região concentra ainda 22 (73%) casos de tentativas de assassinato, 158 (79%) das ameaças de morte e 71% das famílias expostas a conflitos. É também lá que se encontra mais da metade (57%) das 5.877 famílias despejadas de seus lares e 84% das famílias que tiveram suas casas ou terras invadidas.
A violência na Amazônia Legal é percebida no aumento de 36% no total de famílias abrangidas por conflitos e de 29% de famílias ameaçadas por pistoleiros. Nota-se, ainda, crescimento de 82% no número de despejos e 55% de invasões a terras ou casas.
Indígenas
Da edição deste ano do relatório Conflitos no Campo Brasil 2019 consta um texto da líder indígena Sônia Guajajara. No texto, Sônia declara que há "uma intensa e grave ofensiva contra os direitos dos povos indígenas no Brasil".
Para a CPT, há respaldo na crítica da coordenadora da Apib, considerando-se que, de cada três famílias em conflito por terra, uma era indígena e que se atingiu, em 2019, o maior número de execuções de lideranças indígenas dos últimos 11 anos, um total de sete. A comissão acrescenta que as disputas do ano passado resultaram na agressão de 11 pessoas de origem indígena. O grupo populacional também foi alvo de 39 ameaças de morte, 16 intimidações e nove tentativas de assassinato.
Um fato lembrado pela comissão é a medida provisória que transferiu da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a responsabilidade pelo processo de demarcação de terras indígenas. Com o dispositivo, o governo federal também fez com que a regularização de terras quilombolas deixasse de ser uma atribuição do Incra. A medida provisória foi editada no dia 1º de janeiro de 2019, em edição extra do Diário Oficial da União.
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