Jornal do Brasil
Relançamentos em formato duplo: trazem um CD (para ser ouvido) e um vinil (para se admirar, como a um quadro). Ao iniciar Meu primeiro disco, série que recupera discos de estreia de artistas pertencentes a seu catálogo, a Sony Music decidiu priorizar o vinil – já que todos eles, gravados para os antigos selos CBS e RCA, haviam sido concebidos para o formato, como é o caso de Longe demais das capitais (Engenheiros do Hawaii, 1986), Da lama ao caos (Chico Science & Nação Zumbi, 1993), Gávea de manhã (Vinicius Cantuária, 1983) e das estreias homônimas de João Bosco (1973) e da banda Inimigos do Rei (1989). Cada um deles sai num kit (a R$ 90) com capa original, encarte com letras e reportagens da época e vinil novo, feito nos Estados Unidos. Incluem também a versão em CD, em formato de minivinil. Pela falta de toca-discos no mercado, este último vai acabar sendo o formato usado pelos compradores para ouvir as obras – reeditadas em vinil mais como referência ao passado do que como suporte.
Um brinquedo musical
– Acreditamos que a procura será grande por parte dos fãs e colecionadores, mas por causa da pouca oferta de players no mercado, incluímos o CD para atender às necessidades de quem não possui toca-discos – afirma Marcus Fabrício, diretor de marketing e vendas da gravadora, dizendo que pretende ainda negociar títulos com outras gravadoras para a série, que deve chegar a 30 lançamentos até o fim do ano.
Autor de parte da pesquisa feita para a série, o pesquisador musical Marcelo Fróes – que já realizara uma coleção parecida para a Universal em 2002, Estreia, mas só com CDs – também enxerga uma espécie de brinquedo musical nos kits da série.
– Como o CD está virando brinde para outros tipos de produto e as gravadoras querem mais é vender songbooks e pendrives, natural que o LP seja mais uma peça de fetiche do que uma mídia para ser executada. Poucos dos que vão comprar esses LPs têm onde escutá-los – afirma ele. – Creio que seja uma tendência a ser seguida até pela concorrência da Sony, ainda mais agora com a fábrica de discos de vinil que está sendo montada pelo João Augusto (presidente da gravadora Deckdisc).
Acostumado a ver álbuns de sua ex-banda sendo vendidos até mesmo em banquinhas montadas embaixo de viadutos em Porto Alegre, a preços que não ultrapassam os R$ 2, o ex-líder da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger, revela ter se surpreendido com o relançamento de sua estreia, que trazia uma sonoridade voltada para o ska – e ressurge com a capa original, modificada na primeira reedição em CD, nos anos 90, além dos bônus Segurança e Sopa de letrinhas, gravações originais da compilação Rock grande do sul (1985). O músico diz estranhar tal saudosismo do vinil.
– Para mim, que vim da época do LP, não é a mesma coisa. Acho que esse saudosismo vem mais de quem não viveu essa época – relata. – É até engraçado, porque é uma coisa que vai de um pólo ao outro. Enquanto vinis antigos meus são vendidos a preço baixo em banquinhas, o relançamento em LP sai a um preço até mais caro do que os outros formatos. Eu nem ligo para formato, se é CD, LP ou MP3. A música tem que passar ao largo de tudo isso.
João Bosco, por sua vez, alegra-se com a possibilidade de seu trabalho estreia poder ser ouvido exatamente como foi para as lojas, em 1973.
– Acho que meu primeiro disco é algo bem diferente, porque ainda trazia um som mais mineiro do que carioca – afirma o compositor nascido em Ponte Nova, MG, que ainda guarda exemplares do vinil de 1973 em casa. – O Aldir Blanc, que estava começando a compor comigo, se esforçava para colocar nas letras um sentimento de Minas. É interessante porque, sem querer desprezar o digital, que tem suas vantagens, tem certas coisas que só fazem sentido no vinil.
Não há ainda uma data certa para que os próximos lançamentos de Meu primeiro vinil cheguem ao mercado. A intenção da Sony é que os demais 25 títulos estejam nas lojas, reais e virtuais, até o fim do ano. Fróes relata ter feito à gravadora várias sugestões – entre elas, a de que o debute homônimo da banda mineira Skank (1992) seja reeditado com sua mixagem original, feita apenas para um lançamento independente em pequena escala, comprado depois pela Sony.
– O ideal é que saiam coisas inéditas em CD. Sugeri que relançassem álbuns como os primeiros do Odair José (homônimo, 1970), Cariocas (A Ismael Netto, 1958) e o primeiro solo do Sérgio Dias, todos da antiga CBS. Ainda não sei se vão sair – relata o pesquisador, que, apesar de ter muitos vinis em casa, não tem mais toca-discos. – Tinha um há 10 anos, mas não funciona mais. Só com essa série pude mostrar, sem tocar na vitrola, um disco de vinil para minha filha pequena.
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