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Por mais de 30 anos, o veterano escritor e jornalista Gay Talese, um dos mestres do Novo Jornalismo, trocou cartas com Gerald Foos. A iniciativa fora de Foos, um dos personagens mais polêmicos e contraditórios a cruzar a trajetória do famoso autor nova-iorquino. A bizarra história de Foos capturara sua curiosidade e não era para menos. Enquanto fora proprietário de um hotel, nas imediações de Denver, Colorado, Foos havia montado uma instalação secreta, abaixo do telhado, que lhe permitira espionar, por anos, seus hóspedes nos quartos, guardando registros escritos - sem identificar os espionados - de suas atividades íntimas, especialmente sexuais. Depois de vender o hotel, ele finalmente estava disposto a compartilhar com Talese o segredo de sua vida, guardado por décadas.
Envolvido, naquela época com a extensa pesquisa sobre sexo nos EUA, que culminou no livro A mulher do próximo, Talese se aproximou de Foos, vindo a conhecê-lo pessoalmente. Inicia-se, então, um relacionamento que dura anos, durante os quais o jornalista examina os diários de anotações de Foos e mantém com ele conversas que fornecem material primeiro para um artigo na revista The New Yorker e depois para o livro O Voyeur (2016).
O documentário dirigido por Myles Kane e Josh Koury resgata essa história repleta de nuances, enganos, mentiras, reviravoltas entre o autor e seu personagem, com detalhes mais picantes, eventualmente, do que a ficção. Até por sua própria natureza, expondo o rosto e a casa de Foos - que sempre contou com a cumplicidade de suas esposas para sua atividade secreta -, o filme acrescenta uma camada de complexidade ao personagem. Por que, afinal, alguém cujo prazer dependia de total segredo decidiu vir a público, mediante um livro de um dos jornalistas mais famosos e respeitados dos EUA e, posteriormente, mostrando seu rosto em filme - aparentemente acreditando que eventuais responsabilizações legais estariam extintas naquele momento?
Livro e documentário procuram fornecer algumas pistas para decifrar a complexa personalidade de Foos, um homem perto dos 80 anos e que supostamente quer encontrar algum valor numa atividade por tantos motivos condenável e na qual ele investira muito tempo e energia. De seu lado, Talese envereda por um caminho arriscado junto a este personagem, talvez como nunca antes na vida. Por conta disso, também enfrenta algumas sérias contrariedades - numa situação, colocando em dúvida sua própria credibilidade.
Os documentaristas acrescentam uma camada à história ao retratar também o próprio Talese, a quem não escapa um certo laivo de vaidade e que, em mais de uma situação, demonstra-se irritado por uma certa perda de controle da situação. Esse jogo de espelhos é provavelmente o que há de mais interessante neste documentário, que oferece um prato cheio tanto a psiquiatras como a jornalistas em sua escavação da complexidade da natureza humana.
Neusa Barbosa
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