quarta-feira, 17 de maio de 2017

Com satélite do governo lançado, entidades questionam sobre como será feita a expansão da banda larga


Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações, que tem como um dos objetivos ampliar a distribuição de internet de alta velocidade, foi lançado em 4 de maio, já está na posição final e agora passa por testes

Por: Paula Minozzo Zero Hora

Projeto do governo federal, um satélite brasileiro construído para levar internet banda larga a todo o país já alcançou sua posição final, a 36 mil quilômetros da Terra, e agora passa por uma fase de testes, que podem durar dois meses. É depois disso que o satélite poderá começar a operar para comunicações.

Se no espaço as coisas vão bem, aqui na Terra ainda há dúvidas sobre como e quem vai utilizar a frequência do satélite e de que maneira a expansão à banda larga será feita. A meta da Telebras, empresa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, é de que, em agosto, o satélite já forneça conexão à internet para os brasileiros. Mas como vai funcionar o modelo de negócios e quem vai operar as frequências do satélite ainda não são questões decididas. Entidades civis questionam planos já divulgados da companhia de "alugar" capacidade do satélite — feito com investimento público.

Lançado em 4 de maio, a partir de um centro espacial europeu em Kourou, na Guiana Francesa, o SGDC, sigla de Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações, é visto como uma conquista para o Brasil. Além da possibilidade de expansão de internet de rápida velocidade em áreas que estão hoje desatendidas, o país também poderá usufruir da tecnologia para controle de um sistema espacial a serviço de comunicações estratégicas militares, pois, atualmente, para esse fim, o país depende de satélites de empresas privadas ou de controle estrangeiro.

A decisão de adquirir o equipamento foi sempre defendida pelo governo como uma "questão de soberania nacional", para correr menos riscos de interceptações ou de interrupções de serviços em situações de conflito.

— A ideia surgiu porque hoje alugamos sistemas de comunicação, tanto para defesa quanto para comunicação. Queríamos um satélite que fosse como um "sol da liberdade em raios fúlgidos", que ficasse em cima do Brasil, levando internet a todos os cantos. É um projeto de Estado mesmo — afirma Antonio Loss, presidente da Telebras.

A gestão e a construção do satélite foram decididas por meio de decreto, em 2012, durante a presidência de Dilma Rousseff. No mesmo ano, foi criada a Visiona, uma empresa da Telebras e da Embraer para o desenvolvimento de projetos e estratégias da expansão brasileira na área espacial. A empresa, uma joint venture, foi contratada pela própria Telebras para o desenvolvimento do satélite. A Visiona trabalhou junto a Thales Alenia Space, multinacional francesa-italiana de tecnologia. No total, foram investidos R$ 2,7 bilhões, que saíram do orçamento da Telebras e do Ministério da Defesa, como afirma Eduardo Bonini, presidente da Visiona Tecnologia Espacial.

— Em uma empresa privada, podemos fazer as contratações e pensar em uma forma de trabalho mais ágil. Mas assim pudemos fazer as coisas acontecerem dentro de um cronograma razoável — afirma Eduardo.

Tecnologia para fins civis e militares

Posicionado sempre acima do Brasil, o satélite tem vida útil de 15 a 18 anos. A tecnologia trabalha com duas bandas, a Ka, usada para comunicações civis e que permite conexão à internet em alta velocidade, e a banda X, para comunicação militar. Fala-se em uma média de conexão de 20 Mbps. Isso seria três vezes maior do que a média nacional do Brasil, que é de 6,4 Mbps, segundo pesquisa da empresa Akamai, que analisa estatísticas de conectividade pelo mundo.

— Você precisa instalar uma antena parabólica, equivalente a de televisão, aquelas das operadoras, no telhado, e já pode ter internet — afirma Bruno Soares Henriques, gerente de tecnologia e soluções satelitais da Telebras.

Atualmente, essa é a tecnologia conhecida por ser a mais moderna e a que permite a conexão mais rápida. De acordo com Wheberth Damasceno Dias, engenheiro de telecomunicações e pesquisador do Centro de Referências em Radiocomunicações do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), a banda Ka, de fato, proporciona essa ampla cobertura nacional, alcançando lugares onde uma estrutura com cabos ou fios não chegaria, tamanha a dificuldade do acesso.

— Construir e operar o satélite é caro, exige uma grande infraestrutura, mas a banda Ka consegue baratear esse custo pelo número de pessoas que atinge. Então, quanto mais usuários, mais barato. Com a banda Ka, pode-se tranquilamente chegar a 100 Mpbs — afirma.

Testes devem ficar prontos em junho

O engenheiro de telecomunicações Waldo Russo, presidente da seção Rio de Janeiro da Communications Society do Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), defende que a maneira viável de conectar o Brasil inteiro é por satélite:

— Não tem dúvida quanto a isso. Qualquer outra forma sairia mais cara. Há cabos submarinos, mas mesmo assim é limitado. O satélite tem capacidade de ser ubíquo.

A banda X tem como característica frequência e áreas de cobertura menores que a Ka, por isso sofre menos interferências por condições climáticas. Essa banda equivale a 30% da capacidade do satélite e será usado pelo Ministério da Defesa nas comunicações militares.

A Visiona afirma que, em meados de junho, os testes com o satélite estarão prontos. Essas avaliações precisam ser feitas antes de colocá-lo a funcionar. A empresa vai ficar acompanhando o funcionamento do satélite, o que chamam de operação assistida.

As chamadas gateways, estruturas que enviam frequências para o satélite que as refletem e assim cobrem o território nacional com o sinal, ainda estão em fase de implementação. Serão cinco centros espalhados por diferentes cidades: Brasília, Campo Grande, Florianópolis, Rio de Janeiro e Salvador.

Indefinição quanto à distribuição de banda larga

Enquanto o SGDC passa por fase de testes após entrar em órbita, questões a serem resolvidas aqui na Terra não caminham com o mesmo sucesso. Agora, fica a cargo da Telebras gestar um plano de como serão utilizadas a banda Ka — voltada à comunicação civil. A empresa deve operar com provedores de internet para fazer a instalação das estruturas nas casas e locais que vão receber a banda larga, mas ainda não há uma definição de como e quais empresas farão isso. Esse plano de "aluguel" da capacidade do satélite tem sido alvo de questionamento por parte de entidades civis.

No começo deste ano, a Telebras publicou um chamamento público, sem data estipulada, para selecionar empresas de telecomunicações para serem cessionárias da capacidade da banda Ka do satélite. O satélite tem uma capacidade de transmissão que pode ser dividida. Ou seja, empresas podem "alugar" capacidade.

Em um segundo documento da própria Telebras, com data de fevereiro de 2017, consta que a frequência do satélite seria dividida em quatro lotes, um da própria Telebras (20%) para atender a demandas dos serviços básicos, como saúde, educação e segurança.

Os outros três seriam comercializados pela seguinte divisão: um lote seria de 36% da capacidade; e os outros dois de 22%. No primeiro documento, é informado que as cessionárias "deverão atender aos objetivos do Programa Nacional de Banda Larga".

Entidades questionam meta de cobertura

No entanto, entidades como a Proteste, junto a deputados e senadores do PT e do PSOL, assinaram uma representação e a enviaram à Procuradoria-geral da República apontando possíveis irregularidades da primeira versão do edital de chamamento público, divulgado pela Telebras. O documento das entidades, de 18 de abril, questiona a empresa não exigir meta de cobertura para ampliar ou baratear o acesso à banda larga ou preço mínimo a ser respeitado pelas operadoras que utilizarem a frequência.

Paulo Rená, advogado e chefe de pesquisa do Instituto Beta Para Internet e Democracia (Ibidem), uma das entidades a assinar a representação, afirma que o investimento bilionário feito pelo governo brasileiro deve atender ao interesse público. A posição do Ibidem é contrária à comercialização de lotes de banda larga. Entre os argumentos, está o fato de que a documentação de concessão não esclarece nem especifica quais áreas deverão ser atendidas para a expansão da banda larga.

— O dinheiro investido no satélite é público e tem finalidade de atender ao público. Como que isso vai ser repassado ao setor privado para ganhar dinheiro? E a estratégia de soberania nacional, de proteção da comunicação? No edital não aparece nenhuma obrigação ou preço, dando total liberdade para essas empresas. Isso não é a finalidade desse satélite — diz.

Bruno Soares Henriques, gerente de tecnologia e soluções satelitais da Telebras, não adiantou como será o plano de negócios ou as empresas que serão escolhidas para fazer a distribuição de internet pelo país.

— Estamos readequando a documentação que será publicada em breve. Estamos em um processo de consulta pública para poder atender aos anseios da sociedade—afirma.

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