quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

“Carol” é um dos melhores filmes da temporada




 O Natal está chegando e a elegante Carol Aird (Cate Blanchett) entra numa loja de departamento à procura de uma boneca para a filha. De longe, uma atendente a observa, encantada com aquela visão que parece diferente de tudo que já viu antes.

A moça é Therese Belivet (Rooney Mara), jovem infeliz no trabalho que sonha em ser fotógrafa. Quando os olhares se cruzam, há faíscas, apesar da distância e das pessoas entre elas. A mulher não encontra o brinquedo, mas acaba conseguindo algo que vai mudar sua vida.

Trabalhando a partir de um romance de Patricia Highsmith – mais famosa pela criação do personagem Tom Ripley, já levado diversas vezes ao cinema –, Todd Haynes (“Não Estou Lá”) extrapola a aura de literatura do livro, aprofundando-se no contexto histórico (na forma e no conteúdo), sem deixar de lado a caracterização psicológica das personagens na obra original.

A verdade é que o diretor transformou um livro mediano, da juventude da escritora, num grande filme – que tem ganhado elogios e prêmios por onde passa.

Em sua obra, o cineasta americano sempre lida com a intersecção entre o momento histórico e o pessoal de suas personagens, que, em regra, estão sendo forçadas a se encaixar nos padrões.

Foi assim em “Velvet Goldmine”- sua homenagem ao glam rock –, em “Não Estou Lá” – que traz um Bob Dylan fragmentado, tal como o seu tempo – e em “Longe do Paraíso”, filme com o qual “Carol” compartilha mais semelhanças. E isso não apenas por que ambos se passam nos anos de 1950.

A primeira coisa que salta aos olhos em qualquer filme do diretor é a composição visual – não apenas na fotografia (mais uma vez assinada pelo grande Edward Lachman, habitual parceiro do diretor), mas todo o entorno, como a direção de arte e figurinos.

Mas nada disso é gritante, nada disso é um set montado para o filme. São casas, lojas, hotéis onde as pessoas parecem viver e transitar. São roupas que elas usariam na vida real, não um vestido bonito para um filme. É nesse sentido que existe um realismo na obra do diretor. Tanto aqui quanto em “Longe do Paraíso”, Haynes busca, no colorido vibrante dos anos de 1950, entrar no âmago de uma época marcada por revoluções tecnológicas e comportamentais.

Seguindo a sua ideia de retratar “pessoas que não se encaixam”, aqui, Haynes conta a história de amor entre essas duas mulheres.

Carol é quem mais se arrisca. Seu ex-marido, Harge (Kyle Chandler), ameaça tirar-lhe a guarda da filha pequena e resgata antigos casos dela, como com sua amiga, Abby (Sarah Paulson).

Therese não tem muito, ou praticamente nada a perder, sem família e apenas com um namorado a quem não dá muita atenção. O filme então se constrói como o desabrochar da moça, que descobre não apenas a si mesma, como também ao mundo.

A visível diferença de idade poderia indicar a dinâmica de uma predadora e sua presa – mas não é isso o que acontece. As inseguranças da moça se equivalem às da sua amante – são duas mulheres que precisarão enfrentar o mundo, num tempo em que a repressão dos desejos ditava regras.

A forma carinhosa como Haynes sempre filmou os outsiders traz uma aura de respeito ao casal de personagens e suas escolhas. Em momento algum o diretor esbarra no sensacionalismo. A única cena de sexo está lá para mostrar o crescimento da intimidade entre as duas, pois os interesses do filme está mais nas pressões sociais que elas precisam enfrentar para viver o seu amor.

A premiação de Rooney em Cannes – dividindo o principal troféu de interpretação feminina com a francesa Emmanuelle Bercot, de “Mon Roi” – foi merecidamente criticada. Não que a atriz não esteja bem, mas é impossível dissociar sua interpretação da de Cate, tamanha a sincronia entre as duas.

“Carol” é um filme sobre pessoas que precisam desafiar a sociedade de seu tempo – assim, como os outros protagonistas da filmografia de Haynes. O resultado é que, graças a essas figuras – sejam elas comuns, como a mulher que se separa do marido e se envolve com o jardineiro negro nos anos de 1950 (situação de “Longe do Paraíso”), ou Bob Dylan – o mundo é capaz de se transformar.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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