sábado, 7 de abril de 2012

Romance em deserto de sal inspira novo filme de Walter Sales

Silvia Colombo Nas minas de salitre do deserto do Atacama, no Chile, a vida é difícil e repetitiva. Famílias numerosas, em que todos trabalham e o ofício é penoso. Nesse ambiente, que sugere isolamento e desolação, um cinema impulsiona as fantasias dos habitantes e os conecta com o mundo. Esse é o mote de "A Contadora de Filmes", livro de Hernán Rivera Letelier, 51, que sai agora pela Cosac Naify e inspira novo filme do cineasta brasileiro Walter Salles. Criado numa dessas minas, Letelier diz que o cenário de sua infância é "a minha Macondo, minha Santa María", referindo-se às cidades míticas de Gabriel García Márquez e de Juan Carlos Onetti (1909-1994). Nas minas, Letelier ambienta novelas nostálgicas, como a "Contadora", que relata a história de uma menina que fica famosa por narrar filmes aos que não podem ir ao cinema, e épicas, como "A Arte da Ressurreição", que acompanha um líder místico a pregar pelo deserto. Este último também sai agora no Brasil, pela Alfaguara. "O que há de comum entre as duas obras são os personagens. A menina que fantasia e o falso Cristo são tipos que o deserto inspira", explica. Letelier hoje mora em Antofagasta, uma cidade grande chilena próxima às minas -onde vive ainda toda sua família. "A mina me marcou para sempre. Na verdade, eu nunca saí de lá." O escritor conta que começou a escrever poesia ainda adolescente ao participar de um concurso unicamente por conta da premiação oferecida em dinheiro. Tomou gosto, virou autodidata e seguiu escrevendo. Lançou livros de poemas e, em 1994, seu primeiro romance ("La Reina Isabel Cantaba Rancheras"). "Contadora" tem muito de autobiográfico. Começa nos anos 1950, quando o autor nasceu, e atravessa os anos 1970, época em que a televisão chega ao povoado e muda a relação das pessoas com o cinema. Também, é quando começa a ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006). Já "A Arte da Ressurreição" é baseado num caso real. No começo dos anos 1940, um homem que se dizia a reencarnação de Cristo vagou pelo deserto, prenunciando desastres ao ler mensagens apocalípticas nas nuvens. Pergunto se já ouviu falar de Antônio Conselheiro, o líder espiritual de Canudos. "Sim, por meio do romance do Vargas Llosa ("A Guerra do Fim do Mundo"). São parecidos, mas o Cristo de Elqui era mais calmo e humano. Conselheiro foi mais febril." Sobre a adaptação cinematográfica, Letelier se diz entusiasmado, ainda que com receios. "Já houve projetos de filmes com meus livros, mas não decolaram. É difícil retratar esse mundo hoje em decadência e entender o que aconteceu no passado", diz. Salles conta que leu o livro em poucas horas, durante um voo, e teve certeza de que queria adaptá-lo. "Jorge Luis Borges [1899-1986] dizia que o seu maior prazer na literatura era dar nome ao que ainda não havia sido nomeado. Letelier é o escritor que deu nome aos homens que vivem nesse mundo de areia e de sal que é o deserto de Atacama." O diretor já fez viagens ao Chile para pesquisar locações. A foto que ilustra essa página é resultado da busca. As minas de salitre chilenas tiveram seu auge no fim do século 19 e começo do século 20, mas logo perderam importância. Nos anos 1970, as vilas como aquela em que cresceu Letelier já eram praticamente cidades-fantasma. "Viraram um ossário de tempos mortos. Isso para a literatura é um campo riquíssimo."

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