sábado, 12 de setembro de 2015

Pesquisa sinaliza que Alzheimer pode ter sido transmitido

UAI

A suspeita de que condições neurodegenerativas poderiam ser transmitidas entre pessoas despontou na mente de cientistas entre o fim dos anos de 1950 e 1985, quando observações e experimentos ofereceram as primeiras evidências de que uma enfermidade rara e fatal, a doença de Creutzfeldt–Jakob (DCJ), passaria de animal para animal e, em condições muito incomuns, entre humanos. Pesquisadores da Universidade College of London, no Reino Unido, apresentam, na edição desta quinta-feira (09/09) da revista Nature, um estudo pioneiro que fornece indícios de que esse fenômeno pode ocorrer com a doença de Alzheimer (DA). Especialistas alertam, contudo, que os resultados devem ser compreendidos com cautela por se tratar de uma condição bem específica de contaminação.
A pesquisa, encabeçada por John Collinge e Sebastian Brandner, mostra que pessoas tratadas com hormônio do crescimento humano retirado do cérebro de doadores mortos desenvolveram DCJ e uma característica marcante do Alzheimer: o depósito da proteína beta-amiloide. O acúmulo nos pacientes, que também tinham falecido, foi verificado na glândula pituitária. O estudo não demonstra, porém, se eles desenvolveriam a DA se tivessem vivido o suficiente: os donos dos oito cérebros analisados sucumbiram à DCJ ainda jovens, com idade entre 36 e 51 anos.

Collinge e Brandner fizeram uma descrição detalhada das alterações nos oito órgãos. As pessoas haviam recebido hormônio do crescimento entre 1958 e 1985 e, posteriormente, desenvolveram a DCJ, doença provocada por uma espécie de proteína mutante, chamada príon. Além das alterações cerebrais inerentes à DCJ, sete dos examinados tinham depósitos de beta- amiloide, o que levou os cientistas a imaginarem que essas proteínas, ou talvez as células precursoras delas, possam ser transmitidas da mesma forma que os príons. Nesse caso, pelas injeções de hormônio do crescimento oriundo de cadáveres.

Baseado nisso, não é impossível pensar que a doença de Alzheimer possa ser transmitida por meio de equipamentos médicos, uma vez que proteínas patológicas são resistentes a procedimentos de esterilização. “São resultados que valem a reflexão. Já sabíamos que os príons e a DCJ (doença de Creutzfeldt–Jakob) podem ser passados por procedimentos médicos, e nossos achados nos fazem pensar se isso é relevante para o Alzheimer e o Parkinson. No entanto, precisamos de mais pesquisas. Não é o caso de criar qualquer tipo de alarde”, assegura Collinge.

Novo protocolo
Professor de neurobiologia molecular da Kings College London, também no Reino Unido, Roger Morris conta que, entre 1958 e 1985, mais de 1,8 mil pessoas receberam um tratamento que pode ter resultado em contaminação que desencadearia o Alzheimer. As novas regras médicas, garante o especialista, evitam esse tipo de problema. “Medidas já foram postas em prática para evitar mais casos em que uma possível transmissão de Alzheimer ocorreria por tabela”, diz. Hoje, utiliza-se hormônio do crescimento sintético e poucos países ainda dependem da substância obtida de doadores falecidos.

Morris acredita que a pesquisa estimulará mais pesquisas sobre os elementos comuns de doenças neurodegenerativas devastadoras e, com isso, proporcionará novos insights e oportunidades para o desenvolvimento terapêutico. Ele ressalta que o estudo, de forma alguma, significa que a ciência e a medicina mudarão o olhar sobre o Alzheimer, deixando de vê-lo como uma doença particular, algumas vezes relacionada à idade e outras à genética, para abordá-lo como infecção transmitida. “Mas o estudo é um marco por fornecer, pela primeira vez, evidência em humanos de um mecanismo de propagação da doença que já sabíamos existir a partir de estudos experimentais em ratos: as beta-amiloides formadas nos cérebros de pacientes com Alzheimer, se injetadas no cérebro normal, infectam também o hospedeiro”, ressalta.

Origem complexa
Caso a beta-amiloide seja transmitida como os príons, como indica o estudo britânico, não se trata de um indicativo de que se manifestaria como Alzheimer, segundo  Otávio Castello, diretor do Departamento Científico da Associação Brasileira de Alzheimer. “Não dá para dizer isso porque essas placas não são suficientes para explicar a doença”, pondera.

Sabe-se hoje apenas que os depósitos de beta-amiloide explicam uma parte da gênese da morte do tecido cerebral. “Nos últimos congressos, os pesquisadores já afirmam que está na hora de subir o rio porque deve existir alguma coisa antes desse acúmulo da beta-amiloide. Ele não é a causa do Alzheimer”, conta o geriatra. Se a origem do mal permanece desconhecida, nenhuma hipótese é descartada. “E é exatamente por isso que o artigo especula se a origem poderia ser algo transmitido. Todo mundo procura um vírus ou uma coisa diferente para explicar isso”.

Ainda que os pesquisadores do Reino Unido tenham encontrado acúmulo de beta-amiloide no cérebro dos pacientes, não detectaram alteração na proteína tau, outra característica do Alzheimer. “O artigo relata observações, mas  não há comprovação científica”, diz Castello. “É muito perigoso falar que Alzheimer é transmissível porque a pesquisa não afirma isso em nenhum momento, só indica que há uma possível transmissibilidade de um acúmulo de proteína, o que não é o que provoca a doença.” Para o geriatra, entretanto, o estudo levanta “uma lebre” entre as pessoas que pensam sobre a doença. “Elas vão ter mais elementos para raciocinar”, justifica.

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