segunda-feira, 24 de março de 2014

CNJ deve autorizar estrangeiros para facilitar adoção de mais velhos no Brasil

G1

Uma resolução que deve ser aprovada nesta segunda-feira (24) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai permitir que casais estrangeiros ou brasileiros residentes no exterior sejam incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O objetivo é aumentar as adoções de crianças mais velhas e de grupos de irmãos.

O texto foi preparado após consenso entre especialistas da área após mais de um ano e meio de discussões – uma portaria da Corregedoria do CNJ de 2012 instituiu o grupo de trabalho sobre o tema.

A resolução está na pauta de votação do plenário do CNJ desta segunda, e a expectativa de conselheiros e especialistas na área é de que seja aprovada para que as mudanças entrem em vigor.

Dados atualizados do cadastro nacional mostram que há mais de 30 mil pretendentes – casais ou solteiros – a adotar e 5,4 mil crianças disponíveis para adoção.

Isso poderia indicar que todas as crianças serão adotadas, mas a realidade é outra.

Cerca de 98% dos pretendentes à adoção no país querem crianças com menos de 7 anos de idade. Só que as crianças nessa faixa etária são menos de 10% das disponíveis para a adoção. A grande maioria dos que procuram um lar são crianças e adolescentes entre 9 e 16 anos.

Outro dado relevante: 75% das crianças e adolescentes que esperam ser adotados têm irmãos também disponíveis para adoção. E a Justiça sempre busca que eles sejam adotados juntos para não perderem o vínculo familiar. Entre os pretendentes, 80% querem adotar uma única criança.

Para o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, que coordena o grupo de cooperação jurídica internacional do conselho, a relação entre crianças disponíveis e pretendentes no cadastro "não encaixa".

Segundo ele, a inclusão de estrangeiros visa permitir que mais crianças tenham uma família.

"As crianças mais velhas, grupos de irmãos, estão num perfil daqueles que não são procurados. Temos pretendentes, temos crianças, mas isso não encaixa. E o perfil de criança que o estrangeiro quer adotar não é o mesmo do pretendente nacional", diz Calmon.

A lei brasileira já permite que estrangeiros adotem crianças brasileiras. Atualmente, essas adoções ocorrem diretamente nos tribunais estaduais, sem passar pelo cadastro nacional.

Quando uma criança não é adotada pelo cadastro, juízes liberam para adoção internacional. O objetivo é que esses estrangeiros também possam participar do cadastro, o que agilizaria o processo e o tornaria mais transparente.

Calmon destaca que os procedimentos para adoção internacional preveem análise detalhada do perfil do pretendente, mas acrescenta que a preferência para adotar continuará a ser do brasileiro.

"A adoção internacional é exceção da exceção. O ideal é que a criança fique na sua família natural, e a adoção já é uma exceção. Mas verificamos que o cadastro não serve para a adoção internacional. Então, precisamos atualizar para permitir que mais crianças sejam favorecidas. Temos inúmeros casos de crianças que não são adotadas, ficam mofando nos abrigamentos, e chega uma idade que ninguém mais quer saber de adotar", destaca Calmon.

Governo federal apoia
Para adotar uma criança, o estrangeiro atualmente se habilita em seu país em uma entidade credenciada pela Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

O pretendente passa por preparação, envia a documentação para as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção (Cejas), que tentam localizar as crianças. Depois que o juiz analisa o caso e eventualmente concede a adoção, é iniciado o procedimento de emissão de passaporte para a criança ou adolescente. O casal estrangeiro ou residente no exterior precisa ficar um mês com a criança no Brasil sob supervisão. A Acaf acompanha a adoção por mais dois anos.

Segundo o coordenador-geral da Acaf, George Lima, em 2013 cerca de 300 crianças foram adotadas no Brasil. Os principais destinos foram Itália e França. Lima diz que o governo espera que o CNJ aprove a inclusão dos estrangeiros no cadastro nacional.

"A criança, quando vai para adoção, passa por um processo de destituição do poder familiar. O  juiz tem muita cautela para dizer que ela não pode voltar à família natural. Isso demora. Acontece que, muitas vezes, a criança vai para um abrigo, demora a destituição do poder familiar, e ela fica disponível para adoção no cadastro e só depois vai para adoção internacional. Não queremos incentivar a adoção internacional, mas sim fazer com que mais crianças tenham uma família."

Não queremos incentivar a adoção internacional, mas sim fazer com que mais crianças tenham uma família"
George Lima, coordenador-geral da Acaf, órgão do governo federal que credencia entidades para adoção internacional
Para George Lima, é uma questão cultural o fato de estrangeiros se importarem menos com a idade.

"Na adoção nacional, ainda se tem aquela ideia de tornar o filho adotivo como biológico, omitindo a adoção. Tendem a fazer isso, procurando criança pequena e da mesma cor, para elas não terem lembrança da adoção. Mas isso vem mudando, e o governo vem atuando para mudar essa cultura."

Especialistas preveem melhorias
A advogada Nádia de Araujo, especializada em direito  internacional e que atua na área de adoção, concorda que os estrangeiros são "mais abertos" que os brasileiros.

"Acho que vai dar transparência para a adoção internacional e facilitar a adoção de crianças cujo perfil os casais residentes no Brasil não querem", destaca Nádia.

Presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Suzana Schettini destaca que a partir de agora será possível saber onde os estrangeiros adotam as crianças.

"Ficava sempre na obscuridade. Isso vai conseguir dar transparência e permitir o cruzamento de dados. Os estrangeiros são mais abertos a grupo de irmãos e até crianças com deficiência. É bom e é necessário incluir os estrangeiros no cadastro."

Os estrangeiros são mais abertos a grupo de irmãos e até crianças com deficiência. É bom e é necessário incluir os estrangeiros no cadastro"
Suzana Schettini, presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad)
Especialista na área de adoção, o desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco Luiz Carlos Figueirêdo participou dos debates no CNJ e concorda que a medida será "extremamente positiva".

Ele destaca que, antes do cadastro nacional, não se tinha informação sobre se o estrangeiro era ou não favorecido ante brasileiros. O número de adoções internacionais em Pernambuco, afirma o desembargador, era elevado. Depois do cadastro, as adoções caíram drasticamente. Por isso, ele defende um "meio termo".

"Ficava a dúvida se havia ou não favorecimento. Se o estrangeiro chegava na comarca e levava a criança sem observar a preferência dos brasileiros. Isso vai dar transparência e as adoções internacionais podem voltar a subir. Não pode ser como antes do cadastro, quando Pernambuco tinha 80 adoções iternacionais por ano, nem como ficou depois, com cerca de cinco adoções por ano. É preciso um meio termo."

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