domingo, 9 de agosto de 2020

De MS, advogado é o primeiro indígena a vencer ação no Supremo Tribunal


Na audiência virtual, Eloy Terena fez a defesa oral de Paris, onde cursa pós-doutorado na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da França
 Nyelder Rodrigues

Reconhecidamente um dos principais defensores das questões indígenas em Mato Grosso do Sul, o advogado da etnia terena, Luiz Henrique Eloy Amado, o Eloy Terena, de 32 anos, se tornou na quarta-feira passada o primeiro advogado autodeclarado indígena a vencer uma ação de jurisdição constitucional no Supremo Tribunal Federal (STF).

Eloy foi quem impetrou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF) e conseguiu, por unanimidade, obrigar o Governo Federal a adotar medidas de proteção aos povos indígenas quanto ao risco de exposição ao novo coronavírus - que colocou várias aldeias pelo país, e não diferente em Mato Grosso do Sul, em alerta, registrando inclusive mortes.

A ação foi destacada como o "grito de socorro" dos povos indígenas, conforme o próprio advogado relatou durante a audiência. "Esta iniciativa é uma ação histórica, pois, pela primeira vez no âmbito da discussão constitucional, os povos indígenas vêm ao Judiciário em nome próprio, por meio de advogado próprio, defender o direito próprio", disse.

Na audiência virtual, Eloy Terena, que é nascido em Aquidauana, representava a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ele fez a defesa oral em Paris, capital da França, onde cursa pós-doutorado na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais.


História
O caminho até a mais alta Corte do país foi cheio de percalços, segundo ele explicou em reportagem para o jornal O Estado de São Paulo. A mãe de Terena, Zenia, se separou do marido e se mudou para Campo Grande para que os filhos tivessem mais oportunidades.

Na época, as opções na aldeia eram estudar fora ou ir cortar cana, mas só os filhos dos caciques tinham oportunidade de estudar, lembrou o advogado. Trabalhando como faxineira, relatou, Zenia conseguiu sustentar a família na capital sul-mato-grossense e formar dois filhos advogados - Eloy Terena e a irmã, Simone.

Depois de estudar em colégios públicos, Terena passou no vestibular para Direito na Universidade Católica Dom Bosco e ganhou uma bolsa integral por meio do Programa Universidade para Todos (Prouni). Estimulado pelo historiador Antonio Brandi - seu professor, já falecido, ex-pesquisador da UCDB e Fundação Ford - foi conhecer a realidade de outros povos indígenas.

Ele visitou várias etnias sul-mato-grossenses, entre elas os guaranis-kaiowá, em sua maioria localizados no sul do Estado. "Era uma realidade diferente da do meu povo que mal ou bem tem as reservas demarcadas. Os guaranis-kaiowá moravam acampados na beira da estrada, não tinham nada", comenta o advogado sobre suas experiências.

A partir dali, Terena começou a se interessar pelo Direito ligado às causas indígenas. "Tive que estudar tudo. Não tínhamos a disciplina ‘Direito Indígena’". Em seguida, fez mestrado na mesma universidade. Na defesa da tese, Terena relatou que enfrentou as primeiras hostilidades.

Ele escolheu fazer a defesa em sua aldeia, em Aquidauana. A universidade aceitou. Mas, de acordo com ele, fazendeiros entraram com ação na Justiça para impedir a apresentação. Ele disse que, embora tenha ganhado a ação, os integrantes da banca examinadora não apareceram. "Depois soube que eles sofreram ameaças", afirmou.

Terena relatou que ele próprio sofreu ameaças, na época em que atuou como advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na defesa de índios alvo de ações de reintegração de posse. "Ser liderança indígena naquela região de conflitos já é um risco. Ser indígena e advogado que coloca para o exterior aquela realidade é ato de coragem", disse o secretário executivo do Cimi, Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira.

Novos ares
Foi depois de ganhar uma bolsa de pesquisa no Museu Nacional que Eloy partiu para o Rio de Janeiro, onde fez doutorado. Mesmo distante de Mato Grosso do Sul, ele disse que continuou sofrendo agressões - uma delas aconteceu em 2014, quando foi indiciado em uma CPI da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul por supostamente incitar retomadas de terra.

Para o líder indígena e escritor Ailton Krenak, mais do que uma vitória pessoal de Terena, o ganho do advogado no Supremo representa a ascensão de uma geração de jovens lideranças indígenas que saíram das aldeias para estudar e trabalhar, mas que, diferentemente de gerações anteriores, deu continuidade às causas dos povos.

A sustentação oral feita por Eloy, na quarta-feira, foi motivo de elogios por parte de um ministro do STF. Ele gastou apenas nove dos 12 minutos aos quais tinha direito. Durante muitos séculos a qualidade de sujeito ativo de direito nos foi negada. Foi somente na Constituição de 1988 que pudemos estar em juízo defendendo seus direitos, afirmou, na sessão do Supremo.

*com informações do Estadão Conteúdo

Nenhum comentário: