sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Estreia: Vidro |veja o Trailer




M. Night Shyamalan ocupa um lugar no cinema mundial, no exercício do artifício a serviço do entretenimento. Foi nesse universo que o diretor, nascido na Índia e radicado em Hollywood, estabeleceu seu território, colecionando sucessos a partir do estouro de O sexto sentido (1999) – que lhe deu as por enquanto duas únicas indicações ao Oscar (direção e roteiro original).

De lá para cá, Shyamalan parece satisfeito com seu sucesso como ilusionista, colecionando sucessos de público a partir de uma mitologia repleta de sinais, que ele coloca no caminho de seus fieis espectadores, alimentando seu fascínio por quebra-cabeças repletos de referências, em geral cinematográficas, mas não só. Vidro, seu filme mais recente, mergulha mais firme no mundo dos quadrinhos, em supostas leis que regem seu universo ficcional.

Vidro é também intensamente autorreferencial já que reúne os protagonistas de dois outros filmes anteriores do cineasta, Corpo Fechado (2000) e Fragmentado (2016), concluindo uma espécie de trilogia. Assim, vão ficar frente a frente David Dunn (Bruce Willis), o segurança invulnerável, Elijah Price (Samuel L. Jackson), o homem dos ossos de vidro, ambos de Corpo Fechado, e Kevin Wendell Crumb (James McAvoy), o maluco de 23 personalidades de Fragmentado.

Embora os três possam facilmente recair na categoria de “vilões”, Dunn guarda uma certa ambiguidade – afinal, utiliza sua violência contra alvos bem específicos, criminosos comprovados, mostrando-se um vingador com algum tipo de escrúpulo, ainda que não contra eles. Fora isso, Dunn é um pai cuidadoso, assessorado em sua atividade ilegal pelo filho Joseph (Spencer Treat Clark). Os outros dois já são, de cara, personagens do mal, Kevin com sua obsessão por capturar mocinhas; Elijah, usando sua inteligência superior a serviço de uma pauta raivosa, vingativa e apocalíptica, numa espécie de revanche contra seu isolamento e bullying, sofridos por sua fragilidade física desde a infância.

Dado o perigo desta mente aprisionada num corpo incompatível, Elijah vive há anos numa instituição para doentes mentais, permanentemente sedado. Ali vão se encontrar em breve também Dunn e Kevin, com o objetivo de conter todos os três, uma operação comandada pela psiquiatra Ellie Staple (Sarah Paulson). Ela criou, para cada um deles, uma estrutura com um elemento capaz de impedir sua fuga – sedativos, para Elijah; água, para Dunn; luz, para Kevin. Até nisso está um detalhe de quadrinhos, já que operam como a kriptonita para o Super-Homem, digamos.

Principal personagem feminina, Ellie oferece oportunidades para a que ótima atriz Sarah Paulson crie uma heroína ambígua, gélida, de fala suave e racional mas capaz de um rigor implacável para levar às últimas consequências sua missão – que a princípio não fica bem claro qual seja. O problema é que mais alguém, entre os três pacientes, tem igualmente um plano, desencadeando a série de acontecimentos desastrosos que leva ao enfrentamento final, resolvendo pendências e mistérios sobre as ligações entre o trio.

Outra personagem feminina que reaparece é Casey (Anya Taylor-Joy), a única vítima a escapar da voracidade assassina da Fera, a personalidade mortífera de Kevin, numa interação com seu antigo algoz nada convincente. A mãe de Elijah (Charlayne Woodard) fecha o círculo de três mulheres, que correspondem a cada um dos protagonistas, compondo o tipo de numerologia dramática que o diretor gosta de exercitar e faz brilhar os olhinhos de seus muitos fãs.

Shyamalan, como de hábito, faz a sua ponta no filme – à la Hitchcok – e exerce seu estilo, não sem acenar para um tempero de grande conspiração. Para quem gosta, está ótimo. Para quem não é seu fã de carteirinha, a viagem pode ser bem menos divertida. Elas por elas, todo mundo já sabe o que esperar antes de a primeira cena rolar na tela.
Neusa Barbosa

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