G1
Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) declarou em julgamento nesta terça-feira, dia 23 de março, que o ex-juiz federal Sergio Moro agiu com parcialidade ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá.
A sentença que condenou Lula segue anulada por outra decisão, determinada pelo ministro Edson Fachin, que apontou a incompetência da Justiça Federal do Paraná para analisar os processos do petista e tornou sem efeito as condenações pela Operação Lava Jato de Curitiba.
Com a decisão desta terça, a Segunda Turma anulou todo o processo do triplex, que precisará ser retomado da estaca zero pelos investigadores.
A decisão resultou do julgamento pela turma de uma ação impetrada em 2018 pela defesa de Lula.
A maioria a favor da ação do ex-presidente foi formada com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia. Em 2018, quando o julgamento se iniciou, ela tinha rejeitado a ação, mas agora seguiu o entendimento dos colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Cármen Lúcia entendeu que novos elementos mostraram que a atuação de Moro não foi imparcial, favoreceu a acusação e, portanto, segundo avaliação da ministra, houve um julgamento irregular.
A suspeição não é automática para outros processos de Lula — a defesa terá, por exemplo, que questionar os outros casos na Justiça. Moro não foi o autor da condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia, mas recebeu a denúncia e transformou o petista em réu nesse caso.
Para o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, a suspeição de Moro tem efeitos que vão além do caso de Lula e abre brecha para que advogados de condenados na Lava Jato questionem na Justiça a conduta do ex-juiz e apontem outras sentenças como ilegais.
O voto da ministra
Cármen Lúcia justificou que novos elementos juntados ao processo permitiram uma nova análise sobre os fatos levantados pela defesa de Lula que apontavam uma conduta irregular do juiz na sentença.
De acordo com a ministra, ninguém deve ser perseguido por um juiz ou tribunal nem condenado por determinado voluntarismo.
Segundo ela, há elementos de que houve uma "confusão" entre o juiz e o Ministério Público, que é o órgão acusador.
Cármen Lúcia afirmou que não estava considerando diálogos obtidos por hackers que demonstrariam uma ação combinada entre o juiz Sergio Moro e procuradores da Operação Lava Jato e afirmou que reconhecer a parcialidade de Moro na condenação de Lula não significa que isso terá impacto em outros casos da Operação Lava Jato.
“Tenho para mim que estamos julgando um habeas corpus de um paciente [Lula] que comprovou estar numa situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos. Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi comprovado pelo impetrante relativo a este paciente, nesta condição", disse a ministra.
Segundo ela, "essa peculiar e exclusiva situação do paciente neste habeas corpus faz com que eu me atenha a este julgamento, a esta singular condição demonstrada relativamente ao comportamento do juiz processante em relação a este paciente”.
"Não estou portanto fazendo algum tipo de referência à Operação Lava Jato, mas sobre um paciente julgado e que demonstra que, em relação a ele houve comportamentos inadequados e que suscitam portanto a parcialidade", afirmou a ministra.
Nunes Marques
Antes de Cármen Lúcia, votou o ministro Nunes Marques, que, no último dia 3, interrompeu o julgamento ao pedir vista (mais tempo para analisar o processo).
Marques rejeitou a ação de Lula, o que, naquele momento, formou um placar de 3 a 2 contra a declaração de suspeição de Moro. Com a mudança de voto, Cármen Lúcia alterou o resultado, com 3 a 2 a favor do acolhimento da ação de Lula.
Nunes Marques considerou que os fatos colocados pela defesa de Lula foram "enfrentados" pela Justiça e que não cabia reanalisá-los.
Segundo ele, os pontos relacionados como argumentos na ação — "condução coercitiva, quebra de sigilo, divulgação dos áudios, teor de informações prestadas ao STF pelo magistrado, fundamentos declinados por ocasião do recebimento da denúncia, postura do magistrado, obras literárias tendo como tema Operação Lava Jato, participação de magistrado em eventos políticos, pré-disposição em condenar do magistrado, considerações do magistrado em artigo acadêmico" — já foram apreciados pela Justiça.
Para Nunes Marques, é preciso ter provas para se declarar uma suspeição.
“No meu entendimento, todos esses fatos já foram objeto de análise em todas as instâncias do Poder Judiciário. É inviável a reanálise de três fundamentos nesta via eleita. Na hipótese de suspeição, é preciso provas.”
No voto, Marques comentou as manifestações de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski a respeito de diálogos obtidos por hackers que demonstrariam uma ação combinada entre o juiz Sergio Moro e procuradores da Operação Lava Jato.
"Se o hackeamento fosse tolerado, mesmo que para a defesa, ninguém estaria seguro de sua intimidade, de seus bens, de sua liberdade. No caso em exame, as provas são materiais obtidos por hackers. Tenho que são absolutamente inaceitáveis tais provas, por serem frutos diretamente de crimes. Entender de forma diversa seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil."
Gilmar Mendes
Após o voto de Nunes Marques, o ministro Gilmar Mendes pediu a palavra, contestou os principais pontos colocados pelo colega e voltou a defender que houve parcialidade de Moro.
Mendes discordou das questões processuais apontadas por Nunes Marques, pegou pontos da defesa e aprofundou trechos do voto que já havia apresentado. Ele afirmou que não se pode permitir uma combinação entre juiz e o ministério público.
Mendes disse que habeas corpus pode ser usado para declarar ilegalidade em qualquer julgamento, citou que houve irregularidades no processo como a condução coercitiva, a interceptação do escritório da defesa do ex-presidente. e citou nominalmente Nunes Marques várias vezes.
Mendes afirmou ainda que independente do resultado do julgamento o caso já representou a desmoralização da Justiça.
“Não se trata de ficar brincando de não conhecer de habeas corpus. É muito fácil não conhecer de um habeas corpus. Atrás, muitas vezes, da técnica de não conhecimento de habeas corpus, se esconde um covarde. E Rui falava: 'O bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde'”, afirmou.
O ministro reforçou que julgou com as provas do processo. “Caráter seletivo e manipulado dos vazamentos não apaga os registros de quando [Moro] virou herói nacional. Tomou como sinal de apoio protestos pela prisão de Lula. Encerro reafirmando meu voto e destacando que em nenhum momento – e disse isso claramente – não vou usar as informações de hackers para falar deste caso. Não me façam nenhuma injustiça. Agora, acho que esses fatos são historicamente relevantes”, declarou.
Ricardo Lewandowski
Depois de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, que já havia votado em 2018, também pediu a palavra. Rememorou pontos de seu voto e reafirmou que um habeas corpus pode ser usado para discutir a suspeição — em contraponto a Nunes Marques.
"Quero tornar pública a minha convicção e já externei no voto que o material arrecadado na Operação Spoofing [que levou à prisão dos hackers] foi periciado. Tanto foi que serviu para denúncia e condenação dos hackers. Nenhum dos diálogos foi desmentido. E não seria possível perícia, porque apagaram, deletaram as mensagens", afirmou Lewandowski.
Segundo o ministro, "os áudios são tão evidentes que dispensam qualquer tipo de perícia, no sentido de atestar a autenticidade do material arrecadado na Operação Spoofing".
"Há um princípio que diz que textualmente fatos notórios independem de prova", declarou
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