segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

FILME : OS ÓRFÃOS



Cine Web


A centenária novela de Henry James A Volta do Parafuso já foi alvo de dezenas de adaptações – as mais notórias, Os Inocentes, de 1961, e Os Outros, de 2001, que, embora não assumida, deve muito ao texto do escritor americano. Em Os Órfãos, a trama é situada nos anos de 1990, mais especificamente logo após a morte de Curt Kobain, o que confere ao filme uma atmosfera grunge desnecessária e descabida, além da ausência de aparelhos tecnológicos como celulares e redes sociais.

Tudo isso, a troco de nada. O filme de Floria Sigismondi é, para dizer de maneira generosa, oco em sua execução, embora todo nobre em sua proposta: trazer um viés feminino e feminista à história da governanta que cuida de dois órfãos que a aterrorizam emocionalmente. Isso se mantém, mas a troco de muitos sustos baratos nas cenas, que se acumulam sem qualquer efeito de terror ou narrativo.

Mackenzie Davis é Kate, jovem professora fã de música de meados dos anos de 1990, contratada para cuidar de um par de órfãos abandonados pela guardiã anterior, que foi embora sem nem se despedir. A protagonista tem uma história de abandono: o pai a deixou e a mãe (Joely Richardson) vive num manicômio, por isso ela se sensibiliza a cuidar da menina, Flora (Brooklynn Prince).

O trabalho no entanto, não é tão fácil como ela imaginava. Morando numa propriedade enorme e isolada, Kate é massacrada por Flora, de 9 anos, e seu irmão, Miles (Finn Wolfhard), de 15. Jogos físicos e psicológicos colocam em xeque a sanidade da nova professora. Pouco ajuda que a governanta da casa, a sra Grose (Barbara Marten), bata de frente com ela e proteja os órfãos, desculpando qualquer coisa que eles aprontem.

O filme é, no fundo, uma história de sanidade, ou da perda dessa, que flerta com questões contemporâneas – especialmente num mundo pós-MeToo. O roteiro, de autoria dos irmãos gêmeos Carey W. e Chad Hayes (A Casa de Cera e diversos exemplares da série Invocação do Mal) é repleto de boas intenções, mas inequivocamente do ponto de vista masculino, mesmo tendo como protagonista e narradora uma mulher. Os hormônios ebulientes de Miles são desculpa para alguns avanços sexuais contra a professora, mas o pior do longa é usar algo tão sério como um estupro para, ao fim e ao cabo, ser um filme de sustos baratos.

Os Órfãos é um filme sobre duas visões de mundo femininas: a de Kate e a da sra Grose: uma que questiona os padrões estabelecidos, e outra mais conformista. É uma ambição que o filme logo deixa de lado, no entanto, em prol de sustos e coisas inexplicáveis que assombram à noite. Tudo bem que o final da novela de James é um tanto abrupto e aberto, mas Sigismondi levou isso ao pé da letra demais. A maneira como termina seu filme faz parecer que faltou dinheiro para rodar as cenas finais, deixando do jeito que estava mesmo.

A única pessoa a sair intacta aqui é a pequena Brooklynn Prince – talvez pelo fato de ela ter apenas 9 anos. Sua interpretação natural e generosa deixa claro que sua presença em cena em Projeto Flórida não foi sorte de principiante. Ela tem tudo para ir longe, e logo Os Órfãos será apenas mais um trabalho qualquer esquecido em seu currículo.
Alysson Oliveira

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