sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Fime Documentário : Tsé



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Documentários em família correm o risco de embarcar demais num tom intimista e perder de vista a grande História. Não é o caso de Tsé, em que o diretor Fábio Kow apresenta o perfil de sua avó polonesa, Tsecha Szpigel, única sobrevivente do Holocausto em sua família.

Simples e direta, Tsé, como é chamada na intimidade, surpreende pela franqueza com que fala de certos episódios de sua vida. Nascida em Purlawy, Polônia, em 1929, filha mais velha do casal Chana e Jakob Rapaport, irmã de Icchok, ela viu sua infância ser rapidamente subtraída quando os nazistas invadiram a Polônia, em 1939. O pai, judeu e comunista, tentou fugir para a URSS com mulher e filhos. Não conseguiu, ficando pelo caminho, em Zamosc. Lá, viveram todos a experiência do gueto para judeus e da iminente separação da família.

Como homens eram considerados mais aptos ao trabalho duro, Jakob fica no gueto, enquanto mulher e filhos são enviados para trens que, depois se saberia, iriam para campos de extermínio, como Sobibór. Ainda no meio do trajeto, a mãe dá um jeito de mandar Icchok para trás. Dentro do trem, convence a filha a pular pela janelinha estreita, garantindo que a seguiria em seguida. Mas, evidentemente, sabia que não podia fazê-lo.

Aos 13 anos, a menina que ainda usava o nome de nascença, Sura, volta ao gueto. Mas ali não se admitiam crianças e, por pouco, ela e o irmão não foram mortos. Tolerados por uma noite, ela e Icchok tiveram que partir no dia seguinte, levando consigo o paletó que o pai insistiu que ela usasse, por causa do frio. Foi a última vez que o viu.

A adolescência de Sura foi, assim, passada entre os rigores do trabalho clandestino, não só para sustentar-se como para pagar alguém para tomar conta do irmão - que, finalmente, perdeu-se dela. Outras peripécias e sustos a esperavam. Mudar de nome, emprestando o de uma outra menina, não-judia, por sugestão de uma mulher que trabalhava na prefeitura local, foi apenas uma entre muitas estratégias de sobrevivência - aí surgiu Tsecha, o nome que perdurou, como símbolo dessa sobrevivência, arrancada a duras penas e alguma dose de sorte.

O documentário traça esta biografia apoiado, em boa parte, em conversas com a afável Tsé - que, oficialmente, usava nos documentos ainda outro nome, Estera Szpigel, nome tomado a uma prima morta, por motivos patrimoniais, com o sobrenome do marido, Natan, ou Zeide, um ex-soldado com quem ela se casou no final da II Guerra. Mas conta igualmente com depoimentos de vários parentes, como netos e bisnetos, com quem a sobrevivente dividiu relatos de sua vida em tempos turbulentos que não confidenciara aos próprios filhos.

Kow também recorre a farto material de arquivo, que preenche com imagens os relatos desta vida incomum, o que enraiza uma impressionante trajetória pessoal na grande História, cujos altos e baixos nunca é demais lembrar.

Neusa Barbosa

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