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O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, acredita que o número de casos suspeitos de intoxicação por metanol aumente nos próximos dias, a partir do reforço de medidas de vigilância pelo país. Em entrevista à CNN, nesta quarta-feira, ele ressaltou que a Polícia Federal abriu uma apuração para verificar se o tema tem dimensão nacional, pela forma de distribuição da substância e de atuação de organizações criminosas possivelmente envolvidas. Equipes de saúde foram orientadas a notificar as coordenações estaduais logo no primeiro indício de relação com o problema.
— O reforço dado pelo Ministério da Saúde no nosso sistema de vigilância vai nesse sentido de chamar a atenção dos profissionais de saúde, que estão lá na ponta, que atendem os casos, que aumentem o número de notificação de casos suspeitos. Esse é o esforço — disse o ministro, que destacou haver um Guia de Vigilância em Saúde para orientar as equipes sobre como diagnosticar e tratar pacientes.
Na entrevista, o ministro destacou que os profissionais de saúde foram orientados a atender para casos de pacientes com náuseas, cólica, alterações visuais, entre outros sintomas vinculados à intoxicação por metanol.
— O Ministério da Saúde tem um protocolo para suspeitas de intoxicação endógena, mas fizemos uma nota específica, com os dados do metanol, para facilitar o acesso aos profissionais. Nossa expectativa é que isso aumente a atenção também dos cidadãos. Quando chegam à unidade, às vezes contam os seus sinais, seus sintomas, mas não fazem alerta específico: 'fui a um lugar, bebi algo de que eu não sabia a origem'. Tudo isso reforça. A minha expectativa é que a gente possa identificar mais casos suspeitos — reiterou.
Padilha orientou que os cidadãos obedeçam a três regras na hora de consumir bebidas alcoólicas: se beber, não dirigir; manter-se hidratado e bem alimentado; e ter segurança da origem da bebida. A hidratação e a boa alimentação, acrescentou ele, pode inclusive reduzir impactos nocivos do consumo de bebida adulterada. Na entrevista, Padilha ressaltou que o principal antídoto contra a intoxicação é a o etanol farmacêutico e disse que o governo federal vai avaliar a viabilidade de adquirir fomepizol, outra substância cuja eficácia já foi atestada por cientistas.
— O principal antídoto é o etanol farmacêutico, que não é o comum, nem o das bebidas, muito menos o dos combustíveis. É uma formulação com concentração variada. Recomendamos a utilização com supervisão dos centros de referência em intoxicação. O outro antídoto, o fomepizol, não está em comercialização não só no Brasil, mas no continente americano, na Europa. O Ministério da Saúde já acionou o contato com a Organização Panamericana de Saúde e hoje vou fazer contato com as empresas que já produziram esse antídoto para vermos a possibilidade de importar e ter um estoque de reserva — explicou o ministro.
O número de mortes suspeitas por intoxicação por metanol em São Paulo subiu para cinco na terça-feira, elevando o temor entre comerciantes e moradores — já há, inclusive, quem se negue a servir bebidas destiladas pelo receio de contaminação. A crise, contudo, atravessou as divisas do estado e chegou ao Nordeste, com dois óbitos e um terceiro caso ligados a uma provável presença da substância investigados em Pernambuco.
Enquanto isso, autoridades paulistas interditaram três estabelecimentos, incluindo o bar no qual uma frequentadora ficou cega, e fecharam uma fábrica clandestina. A Polícia Federal (PF) também abriu um inquérito próprio para apurar a onda de intoxicações.
Em uma entrevista coletiva que contou com a participação do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, Padilha afirmou que o número de casos de contaminação por metanol em São Paulo no mês de setembro equivale à metade da média registrada em todo o país anualmente. Padilha classificou o panorama atual como “uma situação anormal”, que se opõe à série histórica.
— Os casos de intoxicação por metanol no Brasil costumam estar associados a pessoas em situação de rua (que adquirem como combustível) ou suicídio — disse o ministro.
Até terça-feira, eram 22 casos envolvendo intoxicação por metanol em São Paulo — sete confirmados e 15 em investigação. Na terça-feira, foram identificadas mais duas mortes possivelmente ligadas ao solvente, usualmente empregado em aplicações industriais e domésticas, como diluentes, anticongelantes, vernizes e até fluido para fotocopiadoras. O governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), anunciou a criação de um gabinete de crise para enfrentar o problema.
— Nos inquéritos que estão abertos, em que se está chegando às pessoas que estão trabalhando para adulteração nessas destilarias clandestinas, são pessoas que não têm relação com o crime organizado e que não têm relação entre si — disse o governador.
A possibilidade de conexão com atividades do Primeiro Comando da Capital (PCC), porém, foi aventada pelo diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues. No último mês, a Operação Carbono Oculto mirou a atuação da facção no setor de combustíveis em São Paulo. O metanol era justamente a substância utilizada para adulterar os produtos comercializados nos postos de gasolina sob influência da quadrilha.
— A investigação dirá se há ligação com o crime organizado e operações anteriores — pontuou Rodrigues ao anunciar a abertura de um inquérito no âmbito da PF.
— Tudo indica que há uma distribuição para além do estado de São Paulo, o que atrai a competência da PF — acrescentou Lewandowski.
À noite, a Secretaria estadual de Saúde de Pernambuco informou que está apurando três casos suspeitos de intoxicação por metanol. Dois homens morreram e um perdeu parte da visão. Eles moravam em Lajedo e João Alfredo, ambos no Agreste do estado.
As suspeitas foram comunicadas à Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa) pelo Hospital Mestre Vitalino, em Caruaru, que atendeu as vítimas. “Assim que recebeu a notificação, a Apevisa iniciou a preparação de ações de fiscalização em distribuidoras de bebidas alcoólicas”, informou o governo do estado.
Portas cerradas e medo
Na terça-feira, uma ação conjunta, que reuniu a Polícia Civil e as vigilâncias sanitárias municipal e estadual, suspendeu as atividades do bar Ministrão, no bairro nobre dos Jardins, na capital paulista. Trata-se do estabelecimento no qual a designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, esteve em uma confraternização e tomou três caipirinhas feitas com vodca para, no dia seguinte, começar a passar mal. Ainda internada em um hospital, ela perdeu a visão. Um segundo bar, no bairro da Mooca, também foi interditado, além de um endereço em São Bernardo do Campo.
Na Zona Sul da capital, no bairro Planalto Paulista, um minimercado passou por fiscalização que resultou na apreensão e interdição de mais de 40 garrafas de whisky, gin e vodca. O representante do estabelecimento foi conduzido à delegacia para prestar esclarecimentos.
A Polícia Civil cumpriu ainda três mandados de busca e apreensão em Americana, onde funcionava uma fábrica clandestina. No local, foram apreendidos mais de 18 mil itens, que ainda vão passar por perícia. De acordo com a polícia, no entanto, não foi localizado metanol entre as substâncias apreendidas. Dois homens foram presos por pirataria e vão responder por crimes contra a propriedade material, contra a saúde pública e contra as relações de consumo.
Diante da crise, clubes esportivos tradicionais de São Paulo suspenderam integralmente a venda de bebidas com destilados. Agremiações como o Clube Athlético Paulistano, o Clube Hebraica, o Clube Atlético São Paulo (SPAC) e o Esporte Clube Sírio anunciaram a medida de precaução na terça-feira.
“Por questão de saúde pública, está temporariamente suspensa a venda e a distribuição de bebidas alcoólicas destiladas no clube, em todos os seus concessionários. A medida visa zelar pela saúde e segurança de sócios e visitantes”, publicou o Hebraica nas redes.
No setor de alimentação e vida noturna de São Paulo, a onda de intoxicações gerou um clima de temor. Nos bastidores, os estabelecimentos demonstram preocupação geral com a segurança dos produtos e com o risco de perda de confiança dos consumidores, o que levou a uma enxurrada de comunicados públicos na internet.
“Nossos destilados são adquiridos há anos com os mesmos fornecedores, autorizado e homologados”, divulgou o bar Tiquim, na Pompeia, frisando estar “mais atento do que nunca”. “Todas as nossas bebidas alcoólicas e insumos são adquiridos exclusivamente de fabricantes ou distribuidores oficiais homologados, sempre com nota fiscal, lacrados e com selo de autenticidade”, destacou o Grupo Alife Nino (Rainha, Princesa, Boa Praça, Ninno).
Outra frente de preocupação se dá na saúde pública. O Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) ligado à Universidade de Campinas (Unicamp), referência nesse tipo de contaminação, fez um alerta sobre o risco de faltar antídotos para o metanol. Em geral, utiliza-se etanol puro ou fomepizol (mais simples de manejar) para aplacar os efeitos da substância. Em alguns casos, os pacientes precisam passar por hemodiálise para evitar que ela fique represada no organismo.
— Pouca gente tem estoque em hospital. Muitas vezes a alternativa é utilizar uma bebida destilada por sonda até ter o antídoto. É o que recomendamos em algumas situações — explicou Fabio Bucharetti, coordenador do CIATox.
Por O Globo — Rio e São Paulo

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