Julia Affonso e Daniel Weterman
BRASÍLIA
A aprovação apertada do projeto que mantém os repasses do orçamento secreto, na sessão do Congresso desta segunda-feira, 29, contou até mesmo com um voto da oposição. O senador Rogério Carvalho (PT-SE), único petista a apoiar a proposta, alegou ter defendido a medida em nome da “autonomia” do Legislativo. Seu voto, porém, abriu uma crise no PT. Para a presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PR), o posicionamento de Carvalho – ex-líder da bancada no Senado – foi um “fato grave”.
Principal adversário do presidente Jair Bolsonaro na disputa de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já disse mais de uma vez que o orçamento secreto impediu o rival de sofrer impeachment. “O Bolsonaro tem mais de 160 pedidos de impeachment e nenhum foi votado. Por quê? Porque a comissão de orçamento da Câmara criou um orçamento paralelo”, disse ele no último dia 16, em palestra no Instituto de Estudos Políticos de Paris, na França.
A proposta aprovada nesta segunda-feira, 29, porém, teve apoio do ex-líder da bancada do PT no Senado. O texto manteve a possibilidade do uso político das chamadas emendas de relator, base do orçamento secreto, com repasses bilionários para redutos eleitorais dos parlamentares sem mostrar quem apadrinhou essas verbas nos dois últimos anos. Na prática, os recursos poderão superar R$ 16 bilhões no ano eleitoral de 2022. Os deputados e senadores avalizaram um projeto de resolução, apresentado pelas cúpulas da Câmara e do Senado, ocultando os nomes de quem se beneficiou com o pagamento em 2020 e 2021 e dando nível de transparência reduzido, questionado até por técnicos, somente para as verbas no futuro. O orçamento secreto foi revelado em série de reportagens do Estadão desde maio.
A Câmara aprovou a proposta com 268 votos a favor, 31 contra e uma abstenção. No Senado, o placar foi apertado: 34 a 32. As verbas do orçamento secreto foram suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, agora, caberá à relatora da ação na Corte, ministra Rosa Weber, dizer se o projeto atende as exigências feitas para que os pagamentos sejam retomados.
Segundo Rogério Carvalho, seu voto não entrou no “mérito” da questão do orçamento secreto, mas foi no sentido de evitar que o Judiciário não interfira em assuntos do Legislativo. “A minha votação ontem foi em função de garantir autonomia, uma vez que isso foi aprovado, a execução do Orçamento, por unanimidade, a forma, por este Parlamento. Foi votação simbólica e isso significa votação unânime. Essa Casa precisava se posicionar contra a ingerência de outros Poderes, assim como a Câmara”, disse Carvalho, durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Com relação ao mérito, quero deixar claro que, neste ano, na votação, apresentaremos voto em separado pela extinção da RP-9 (código das emendas de relator).”
Em nota, a presidente do PT classificou o voto “isolado” de Carvalho como um “fato grave", que “não se justifica diante das manifestas posições do partido sobre a questão fundamental para o País”. De acordo com Gleisi Hoffmann, o voto “contrariou a orientação da bancada do PT no Senado, além das posições conhecidas da direção partidária”. “Denunciamos e combatemos o orçamento secreto pelos danos que causa ao país e ao equilíbrio democrático, em sintonia com o sentimento da sociedade. A resolução aprovada ontem volta-se contra esses princípios constitucionais”, afirmou Gleisi.
Nesta terça-feira, 30, vinte e um parlamentares – entre deputados e senadores – protocolaram petição no Supremo, endereçada à ministra Rosa Weber, na qual destacam ser possível, sim, detalhar as emendas de relator. A petição cita nota técnica assinada pela consultoria do Senado, que contradiz afirmações dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na contramão do que afirmam Lira e Pacheco, a nota sustenta ser possível revelar os parlamentares beneficiados com a distribuição de verbas e seus padrinhos.
Sob o argumento de que o Congresso está descumprindo decisão do Supremo, os deputados e senadores também solicitaram a “imediata suspensão” do projeto aprovado na noite de segunda-feira, 29, que mantém em funcionamento o orçamento secreto. A petição é encabeçada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e foi subscrita por parlamentares do PSB, Novo, PSOL e até do Progressistas, principal partido do Centrão. Pela bancada do Progressistas quem assina é o senador Esperidião Amin (SC). Nenhum parlamentar do PT acompanhou os colegas na iniciativa.
“O PT defende a transparência, a publicidade e a responsabilidade com o país na destinação de emendas orçamentárias, na mesma linha do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, não cabendo ao relator do Orçamento dispor de recursos bilionários para distribuir aos parlamentares”, diz a nota divulgada no site do partido.
Como mostrou o Estadão, senadores do PT chegaram a ser beneficiados com o esquema do orçamento secreto no ano passado, mas na cota do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP). Após ver frustrada sua tentativa de reeleição no cargo, Alcolumbre buscou o apoio do partido para ajudar a eleger Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em fevereiro.
Cobrado a se explicar, Carvalho disse que “como membro da Mesa Diretora do Senado não podia deixar de ter uma posição em defesa do Congresso Nacional, que tem sua autonomia para fazer o orçamento”.
“Se a forma como este orçamento foi definido e como vai se dar a execução está na lei e eu fui derrotado, como membro da Mesa do Senado Federal que subscrevi todas as ações com os demais membros ao STF, caberia a mim ter a coerência na defesa da institucionalidade do Congresso Nacional”, declarou.
As emendas de relator-geral do orçamento (RP-9) vêm sendo usadas pelo Palácio do Planalto para conquistar apoio no Congresso em troca de repasses do Orçamento da União a municípios e Estados nos redutos eleitorais dos parlamentares. Diferentemente de outras indicações de gasto feitas pelo Congresso, como as emendas individuais ou as de bancada, no caso da RP-9 os nomes dos políticos contemplados não são amplamente divulgados, diminuindo a possibilidade de controle e fiscalização.
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