O preço da falta de um acordo pode ser um "grande confronto" entre Moscou e o Ocidente, alertou com a devida dramaticidade o vice-chanceler Serguei Riabkov
FOLHAPRESS
Em meio à crise no leste da Ucrânia, o governo de Vladimir Putin disse nesta sexta (10) que a Rússia irá apresentar uma proposta de pacto formal com a Otan para barrar a expansão da aliança militar ocidental.
O preço da falta de um acordo pode ser um "grande confronto" entre Moscou e o Ocidente, alertou com a devida dramaticidade o vice-chanceler Serguei Riabkov, durante entrevista coletiva na capital russa.
"Putin disse a Joe Biden [em encontro virtual na terça, 7] que irá preparar um documento em uma semana e o entregar. Nós acreditamos que, para começar, temos de entregar nosso plano conceitual", afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Mais tarde, o Ministério das Relações Exteriores começou a delinear o plano. "É necessário rejeitar formalmente a decisão da Cúpula da Otan de 2008 em Bucareste que disse que a Ucrânia e a Geórgia seriam membros da Otan", disse a pasta, em nota.
A Otan reagiu. "A relação entre a Otan e a Ucrânia será decidido pelo país e pelos 30 membros da aliança. Não aceitamos que a Rússia esteja tentando reestabelecer um sistema de esferas de influência", disse o secretário-geral do clube, Jens Stoltenberg, em Bruxelas.
Enquanto Peskov tentava atuar como o bom policial, apesar de Biden ter rejeitado quaisquer condições russas para esvaziar a crise provocada pela movimentação de tropas do Kremlin perto da Ucrânia, Riabkov fez as vezes do mau policial, mais próximo da realidade.
"Se os nossos oponentes se negarem e tentarem torpedear a proposta, isso vai piorar sua própria situação de segurança. Vai nos mover para um grande confronto", disse.
Naturalmente, a retórica ameaçadora é majoritariamente isso, um discurso. Ninguém acredita que Putin ou Biden queiram ver uma guerra com potencial de colocar frente a frente as donas de 92% dos arsenais nucleares do mundo. Isso dito, os sinais de que o russo quer uma solução definitiva para a questão ucraniana parecem cada dia mais claros.
O estágio atual da crise se deu quando, no início de novembro, Putin começou a movimentar tropas em regiões a cerca de 300 km da fronteira ucraniana. Na sequência, Washington e Kiev falaram que os cerca de 100 mil homens estariam preparando uma invasão para o começo de 2022.
O Kremlin negou, mas a lembrança da anexação da Crimeia e do começo da guerra civil no leste ucraniano em 2014 estão frescos na memória.
Além dos laços históricos entre Ucrânia, Belarus e Rússia, Moscou vê os vizinhos como uma área de influência vital para evitar a proximidade de tropas inimigas -no caso, a Otan.
Putin, ou qualquer outro líder russo, não abre mão das zonas tampão, sejam governos aliados como a ditadura de Minsk, seja com um país partido como a Ucrânia. A rigor, ele não precisa nem invadi-la: basta manter o status quo de guerra civil congelada.
Como o Ocidente estendeu a mão para os ucranianos de forma relativa, permitindo o namoro para uma entrada na Otan -virtualmente impossível por terem conflitos territoriais- e fornecendo armamentos, Putin resolveu subir o tom.
Com a ameaça velada de invasão e a cúpula virtual com Biden nesta semana, o russo parece ter colocado na mesa a disposição de encerrar o assunto em seus termos. Basicamente, implementar algo parecido com os acordos de Minsk, que estabeleceram a autonomia das áreas étnicas russas no Donbass e ao mesmo tempo as subordinam a Kiev.
Mas o governo ucraniano acabou rejeitando isso, notando a perpetuação da fratura do país. Nesta sexta, o presidente Volodimir Zelenski afirmou que admite um plebiscito sobre a situação, mas incluindo todo o país e também a Crimeia, o que o Kremlin não permitirá.
Os europeus ficaram quietos em termos práticos. Agora, Putin visa jogar a batata quente no colo do americano e, ao mesmo tempo, construir uma narrativa de que os caminhos diplomáticos foram todos tentados. Pode dar certo, mas também pode levar ao tal grande confronto.
Putin também quer algo no papel porque sabe no que deu a promessa de cooperação do Ocidente com a Rússia pós-Guerra Fria: na expansão da Otan ao leste.
Outro ponto que Peskov e Riabkov citaram foi a necessidade de um acordo que vise a limitação de instalação de mísseis de alcance curto e intermediário na Europa. "Precisamos de garantias legais porque nossos colegas ocidentais falharam em implementar as obrigações que fizeram verbalmente", disse o porta-voz.
Ele se referia à moratória para a instalação de novas armas deste tipo, que ficaram liberadas quando os EUA deixaram em 2019 o INF (Tratado de Forças Nucleares Intermediárias), um dos principais que encerraram a Guerra Fria. Só os russos dizem cumpri-la.
A argumentação russa é que a colocação de mísseis com capacidade nuclear em países do Leste Europeu ameaçam um ataque surpresa a Moscou e outras cidades.
A Otan diz que isso não faz sentido, já que capitais europeias também estão à mercê de mísseis do gênero russos -quem está livre são os EUA.
Riabkov, negociador-chefe de controle de armas russo, foi além e disse que há o risco de uma "crise dos mísseis na Europa", ao estilo das ocorridas em 1962 em Cuba e em 1983 na mesma Europa Ocidental.
Enquanto isso ocorre, os riscos diários se multiplicam, particularmente no mar Negro, saída russa para o Mediterrâneo e que banha toda a área do contencioso.
Na quinta (9), um navio ucraniano rumou no mar de Azov ao estreito de Kerch, fechado pelos russos na Crimeia para navegação sem permissão. Ele deu meia-volta, mas o Ministério das Relações Exteriores em Moscou chamou a ação de provocação, o que mobilizou a Guarda Costeira.
Nesta sexta, um avião-espião americano foi interceptado por caças russos perto da Crimeia, sobre o mar Negro.
Esse tipo de ação é quase diária dos dois lados, mas a região vive esse momento de tensão particular, no qual um tiro dado por engano pode escalar de forma imprevisível.
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