FOLHAPRESS
FÁBIO PUPO, MARIANNA HOLANDA E MATEUS VARGAS
Pressionado pela provável candidatura em 2022 do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu dar fôlego a uma proposta de renegociação de dívidas do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior).
A ideia é publicar uma MP (medida provisória) para permitir a redução de parte das dívidas com o programa que concede empréstimos públicos para estudantes pagarem faculdades privadas.
Em transmissão nas redes sociais na quinta-feira (9), Bolsonaro imitou Lula ao citar uma medida para beneficiar os estudantes.
"Tem gente que fica prometendo: 'Se eu for presidente, vou anistiar todo mundo'. Por que não fez lá atrás, pô? Está aí de sacanagem", disse Bolsonaro, simulando a voz do petista.
Na transmissão, porém, Bolsonaro se confundiu e disse que a ideia era tratar de dívidas do Prouni -programa que concede bolsas de estudo, não financiamento.
"Estamos estudando, não quero anunciar, né? Pessoal inadimplente aí, do Prouni, brevemente...", disse o presidente, sem completar a frase. A fala de Bolsonaro foi uma resposta a declarações de Lula.
Uma semana antes, o petista disse no podcast Podpah que é preciso "anistiar os meninos" do Fies.
"Tem um milhão de meninos e meninas devendo para o Fies, porque não podem pagar. Anistia essas crianças. Qual o prejuízo para o país? Tem tantos empresários que dão calote, o que custa anistiar os meninos?", afirmou.
Lula lidera as pesquisas para as eleições a presidente em 2022, com Bolsonaro em segundo. Além disso, a entrada do ex-aliado e ex-ministro da Justiça Sergio Moro na disputa ao Planalto também tem irritado o presidente, pois ambos miram o eleitorado da direita.
Uma medida provisória para aliviar os débitos dos estudantes está em estudo há alguns meses, segundo integrantes do governo. Porém o texto deve ter limites, por preocupações com o impacto da iniciativa para as contas públicas.
De acordo com integrantes do governo ouvidos pela Folha, a medida trará algumas ressalvas. Parte do Executivo nega que os descontos alcançarão 100% da dívida e diz que o mais provável é que o modelo exija um pagamento mínimo em troca de uma renegociação dos valores.
Os descontos só ocorreriam se não gerarem renúncia de receitas para o governo. Para isso, a medida precisaria ser voltada a quem não tem condições de pagar, abrangendo somente valores que já não eram mais esperados --à semelhança de outros modelos de negociação da União.
Parte das dívidas do Fies já são contabilizadas como prejuízo para a União, dependendo de fatores como o tempo em que as parcelas estão inadimplentes. O Balanço Geral da União registrou um ajuste para perdas de R$ 27,9 bilhões no Fies ao fim de 2020.
No total, o Fies tem a receber dos devedores R$ 123 bilhões, segundo números atualizados em 30 de setembro, os mais recentes disponíveis.
De acordo com o documento do Tesouro Nacional, o Fies já atendeu mais de 3,4 milhões de estudantes. Desse total, 2,7 milhões ainda possuem contratos ativos (aqueles que ainda têm saldo a pagar ao fundo).
Estabelecido por lei em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o Fies passou por uma expansão significativa sobretudo a partir do governo de Dilma Rousseff (PT). Do total, 79% dos contratos foram assinados de 2011 em diante.
O programa é operado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), vinculado ao Ministério da Educação, que solicita os recursos ao Tesouro Nacional.
Em grande parte, o Tesouro emite títulos públicos para obter o dinheiro, o que gera um impacto direto na dívida pública.
Pelo fato de seus riscos serem em maior parte bancados pela União, o programa é alvo frequente de análises dos diferentes governos e já passou por sucessivas mudanças para mitigar o risco para os cofres públicos.
O programa financia até 100% do valor dos encargos educacionais cobrados pelas instituições de ensino que aderem ao fundo, dependendo da renda familiar mensal bruta e do comprometimento com os custos da mensalidade.
Essa não é a primeira vez que o programa passa por flexibilizações, e renegociações já foram feitas ao longo dos anos, inclusive em 2019, durante o governo Bolsonaro. Em 2020, foram suspensos os pagamentos dos estudantes beneficiários durante a pandemia de Covid-19.
Em outra frente, na segunda-feira (6), Bolsonaro editou uma MP para ampliar o acesso de alunos egressos de escolas privadas ao Prouni. A medida foi questionada por parte da oposição.
"Fui criticado, que estava elitizando o Prouni. Pelo contrário, estamos fazendo justiça", disse Bolsonaro em transmissão em redes sociais na quinta.
A iniciativa para beneficiar os estudantes não vem de forma isolada. Como a Folha mostrou, Bolsonaro tem buscado anunciar medidas para reverter a queda da popularidade em 2022, quando tentará a reeleição.
O Palácio do Planalto tem estabelecido dezembro como prazo para tirar algumas delas do papel, como o vale-gás, que foi lançado, e o Auxílio Brasil, prioridade número 1 do governo.
O programa sucessor do Bolsa Família -uma marca de gestões do PT-- foi anunciado em outubro, mas só na semana passada conseguiu elevar o teto de gastos em 2022 para tentar encaixar o programa. O teto limita as despesas à inflação.
O presidente decidiu aumentar o valor do benefício para R$ 400, dificultando a acomodação dos números no ano que vem.
A manobra foi colocada na PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, promulgada na semana passada, depois de dias de negociação. Assim, o auxílio de R$ 400 passou a ser pago na sexta (10) a um público abaixo do prometido.
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