Entidade contesta OMS e ainda usa dados comprovadamente equivocados em pedido para opinar em ação movida pela Defensoria Pública
Nyelder Rodrigues
Nadando contra a corrente. Após a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) se posicionar contra mais restrições ao comércio da Capital, agora é a vez da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG) aparecer para também se mostrar contra tais medidas, afirmando que para evitar o aumento da covid-19 a solução é o uso da cloroquina.
A associação dirigida por Renato Paniago entrou com pedido para poder opinar na ação civil pública impetrada na Justiça pela Defensoria Pública apontando necessidade de um bloqueio de atividades não essenciais e da circulação de pessoas por 14 dias na capital sul-mato-grossense para conter o avanço do novo coronavírus.
Alegando ter um "parecer técnico", a associação anexou em seu pedido dados de cientistas que confrontam as propostas da Organização Mundial da Saúde (OMS), mas que de forma geral já foram comprovados como ideias equivocadas, usando casos isolados - como os números de Nova Iorque (EUA), sem interpretação - como justificativa.
Mesmo assim, as recomendações oficiais são tratadas como meros "mitos". Além disso, imagens da figura da morte são usadas no pedido da Associação Comercial para representar o fechamento de empresas ao invés do total de óbitos pela covid-19. Em 2020, no primeiro semestre, 1.978 empresas fecharam no Estado, contra 1.293 do mesmo período de 2019.
"O Parecer Técnico traz dados técnicos e empíricos comprovando que o lockdown é medida ineficaz para barrar o avanço da pandemia causada pelo Coronavírus, tendo como base a experiência recente de Campo Grande, além de outras cidades, estados e países – como Cuiabá, São Paulo, Argentina e Nova York", diz o advogado Roberto Oshiro no documento.
Ele ainda chama a possibilidade de um bloqueio de atividades como "decisões arbitrárias, imediatistas e que ignoram o pensamento sistêmico". "A ACICG adverte que o bloqueio total do comércio e serviços terá efeitos devastadores à economia da Capital, afetando diretamente a manutenção dos postos de trabalho", completa.
Covid-19 em queda?
Em parte da argumentação, a ACICG afirma que a covid-19 está em queda, porém, ao invés de mostrar dados relativos à Campo Grande, a entidade usa dados mundiais, ignorando que, mesmo dentro de um país, existe uma regionalização onde estados e até cidades apresentam oscilações na curva epidêmica em períodos distintos.
Um exemplo claro disso foi o período em que a doença se apresentou em estágio mais avançado de contágio na China e Coreia do Sul, que sofreram mais no início do ano, assim como Itália e Espanha. A América foi o último continente a ser atingido mais fortemente.
Dentro do Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus são cidades em que o pico da doença se apresentou primeiro, com Belo Horizonte, Florianópolis e Porto Alegre figurando posteriormente. No Mato Grosso do Sul, a crise se mostrou acentuada primeiro em Dourados, que agora está em ritmo de redução, ao contrário de Campo Grande.
Ao frisar que um bloqueio de atividades é ineficaz, a associação usa um lapso temporal de efeito imediato, ignorando a existência de período de incubação e aparecimento dos primeiros sintomas, além de período para evolução da doença e, caso haja agravamento, necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Também é ignorado que, apesar de o fechamento do comércio já ter sido adotado em Campo Grande por um curto período, o isolamento social seguiu com taxas baixas, o que sugere que ao invés de afrouxamento, as medidas deveriam ser mais rígidas.
Outro ponto que chama a atenção no pedido é que os dados apresentados são de 14 de julho, quando a doença apresentava 13.930 mil casos confirmados e 177 mortos no Estado. Hoje, 12 de agosto, os números sofreram abrupto aumento em pouco mais de um mês: os casos confirmados já são 152.383 e os óbitos 558 - 204 deles na Capital.
Cloroquina é a solução?
Para solucionar o avanço da covid-19, a ACICG propõe o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina para promover profilaxia na população. Vários gráficos foram anexados ao documento, porém, sem nenhuma argumentação por escrito a favor do uso das substâncias.
Um dos exemplos que constam no gráfico é a cidade de Sertãozinho, na região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Lá, a ocupação de leitos de UTI teria caído de 100% para 30% após o uso da cloroquina, conforme dados da prefeitura local.
Contudo, o uso do medicamento já foi diversamente considerado inadequado por entidades internacionais e nacionais. Mesmo os que a defendem, a apontam como substância para uso em estágios iniciais da doença, e não como medida de prevenção.
Apesar de usar como referência alguns especialistas que seguem contra a principal corrente da ciência, o documento pedindo para opinar na ação civil pública da Defensoria como amicus curiae não conta com a assinatura de infectologista, epidemiologista ou qualquer profissional de saúde. Ele foi elaborado pelo economista Normann Kalmus.
Lei seca
Em Campo Grande, prefeitura e Defensoria Pública fizeram um acordo, em negociação perante a Justiça na ação civil pública, para que algumas medidas fossem tomadas na tentativa de reduzir o crescimento de contágios pelo novo coronavírus na cidade e evitasse a realização de um bloqueio de atividades não essenciais.
Por isso, foi editado um decreto pelo prefeito Marcos Trad (PSD) proibindo o consumo de bebidas alcoólicas em vias públicas e em estabelecimentos comerciais entre os dias 12 e 16 de agosto. Porém, a venda segue permitida, com o consumo em locais restritos.
O decreto foi publicado para que a decisão sobre o bloqueio do comércio não fosse tomada por um magistrado. A ideia é que a implementação da Lei Seca abra mais leitos de UTI, já que deve haver em consequência queda em acidentes e outros traumas.
Com informação do Portal Correio do Estado
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