Folha de S.Paulo
Jorgen Leth é um dos grandes nomes de uma certa linhagem rica, exuberante e seminal do cinema dinamarquês --um grupo rebelde e anticonformista que tem entre seus pioneiros Carl Theodor Dreyer (1889-1968), mestre expressionista, e entre seus representantes mais recentes o pupilo (de ambos) Lars von Trier, fundador do movimento Dogma.
A obra de Leth, que reúne mais de 40 títulos, é basicamente restrita a circuitos de cinema de arte, mas alguns curtas como "The Perfect Human" (67) estão disponíveis em sites como o YouTube. É um cinema pessoal, tributário das vanguardas, de cunho etnográfico e ligeiramente inspirado no "cinéma vérité", de Dziga Vertov. Mas seria injusto rotulá-lo de "experimental", como ocorre com frequência. Trata-se de álbuns de registros de um viajante bem-humorado e que evita o hermetismo.
Vários filmes já foram exibidos no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, que patrocinou mais de uma retrospectiva do cineasta. Depoimentos colhidos na última visita, em 2008, integram o documentário "27 Cenas sobre Jorgen Leth", de Amir Labaki, diretor do festival, que faz uma análise praticamente completa da sua filmografia, além de bastante reveladora de seu pensamento. O filme será exibido em circuito comercial em março.
Entre os filmes abordados está "Os Cinco Obstáculos" (2003), codirigido por Leth e Von Trier, que traz um jogo de criação entre os dois cineastas inspirado justamente em "The Perfect Man". Também é exibida a sequência em que Andy Wahrol, em plano único e câmera parada, come um hamburguer durante alguns minutos --uma homenagem à produção da "Factory", do artista pop, e de Paul Morrissey.
O documentário também apresenta inspirações de Leth, como o músico John Cage, os pintores Edward Hopper e Robert Frank (em "66 Scenes from America", 82) e, em um de seus principais momentos, o pintor surrealista Magritte, retratado em uma sequência elogiada pelo dinamarquês.
Também nesse documentário é explorada a ligação de Leth com o Haiti, que começou na década de 80, quando rodou por encomenda seu primeiro longa de ficção, "Haiti Express" (83). Leth ficou tão fascinado que se mudou para o país em 1991. Lá dirigiu "Haiti. Untitled" (96), um mapeamento do caos social que tem como pano de fundo a violência, a religião e a sensualidade das mulheres, e "Dreamers" (2002), que com põe um painel dos artistas plásticos e da arte "naïf" local.
O terremoto quase colocou em risco "The Erotic Human", seu próximo filme, que teve cenas filmadas também no Brasil, em 2002 ("com uma modelo no bonde de Santa Teresa e em um hotel barato, no Rio", Leth afirma) e em 2008 ("com atrizes em São Paulo, Belém e final mente no Rio").
O projeto do filme, assim com suas memórias já lançadas na Dinamarca, geraram reações de feministas no seu país à orma como aborda a sexualidade e como retrata as mulheres, especialmente as haitianas --"são as mulheres mais bonitas do mundo", já declarou várias vezes, citando "Os Farsantes", romance de Graham Greene ambientado no Haiti e também fonte recorrente de inspiração. Mas Leth rejeita as críticas, acostumado a nadar contra a corrente.
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