terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Papa: o ministério sacerdotal exige fidelidade e comunhão, não autorreferencialidade

 


Na Carta Apostólica “Uma fidelidade que gera futuro”, publicada nesta segunda-feira, 22/12, por ocasião dos 60 anos dos Decretos conciliares Optatam totius e Presbyterorum Ordinis, o Papa Leão XIV reflete sobre a identidade, a missão e o futuro do ministério presbiteral. Formação permanente, fraternidade, sinodalidade e discernimento no uso das mídias estão no centro do texto, que convida os sacerdotes a uma fidelidade vivida como dom, conversão e serviço à evangelização.


Thulio Fonseca - Vatican News


A fidelidade sacerdotal como caminho que gera futuro para a Igreja está no centro da Carta Apostólica “Uma fidelidade que gera futuro”, publicada pelo Papa Leão XIV nesta segunda-feira, 22 de dezembro, no contexto do 60º aniversário dos Decretos conciliares Optatam totius e Presbyterorum Ordinis. No Documento, assinado na Solenidade da Imaculada Conceição (08/12), o Pontífice propõe uma releitura atualizada da identidade e da missão dos presbíteros, à luz das transformações culturais, sociais e tecnológicas do nosso tempo.


O Papa recorda que não se trata de uma simples comemoração histórica, mas de uma oportunidade para “revigorar sempre e todos os dias o ministério presbiteral”, conscientes de que “a desejada renovação de toda a Igreja depende, em grande parte, do ministério sacerdotal, animado do espírito de Cristo”.


Fidelidade que nasce do encontro com Cristo

No início da Carta, Leão XIV sublinha que toda vocação nasce do encontro pessoal com Jesus, “que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. Antes de qualquer atividade pastoral ou compromisso ministerial, está o chamado do Senhor: “Vem e segue-me” (Mc 1,17) A fidelidade à vocação, observa o Papa, fortalece-se quando o sacerdote não perde a memória daquele primeiro chamado e permanece unido a Cristo: 


“Ao longo de toda a vida somos sempre ‘discípulos’, com o constante anseio de nos configurarmos a Cristo. Apenas esta relação de obediente seguimento e fiel discipulado pode manter a mente e o coração na direção certa, apesar das perturbações que a vida reserva.”


Formação permanente: memória viva da vocação

A Carta dedica amplo espaço à formação permanente, definida como condição indispensável para manter vivo o dom recebido na Ordenação. “A fidelidade ao chamamento não é imobilismo ou fechamento, mas um caminho de conversão quotidiana”, afirma o Papa, destacando que a formação não pode limitar-se ao tempo do seminário.


Diante das feridas causadas pelos abusos e da dolorosa realidade do abandono do ministério por parte de alguns sacerdotes, Leão XIV insiste na necessidade de uma formação integral que assegure “o crescimento e a maturidade humana”, juntamente com uma vida espiritual sólida. O seminário, recorda, deve ser “uma escola de afetos”, onde se aprende a amar como Cristo, para que o sacerdote seja sempre “ponte, não obstáculo ao encontro com Cristo”.


Fraternidade presbiteral: dom a ser vivido

Outro eixo fundamental do texto do Pontífice é a fraternidade presbiteral. O Papa recorda que ela não é apenas um ideal ou um esforço organizativo, mas “um dom inerente à graça da Ordenação”. Citando o Concílio, afirma que os presbíteros “são irmãos entre os irmãos, membros de um só e mesmo corpo de Cristo”. A fidelidade à comunhão exige superar o individualismo e cuidar concretamente uns dos outros, sobretudo dos sacerdotes mais sós, doentes ou idosos, e questiona: 


“Como poderíamos nós, ministros, ser construtores de comunidades vivas, se entre nós não houvesse antes de tudo uma fraternidade efetiva e sincera?”


Sinodalidade e corresponsabilidade

Inserida no caminho sinodal da Igreja, a Carta exorta os presbíteros a cultivarem relações marcadas pela escuta, pela colaboração e pelo reconhecimento dos carismas dos leigos. “Devem descobrir com sentido de fé os carismas, humildes ou excelentes, que sob múltiplas formas são concedidos aos leigos”, recorda Leão XIV, citando o Presbyterorum Ordinis.


O ministério sacerdotal, afirma o Papa, não perde força numa Igreja mais sinodal; ao contrário, encontra novas possibilidades de fecundidade quando supera modelos de liderança isolada e se abre a uma condução mais colegial e missionária.


Missão, sobriedade e discernimento no uso das mídias

Ao tratar da missão, o Pontífice alerta para duas tentações opostas: a lógica da eficiência e do ativismo, que mede o valor do sacerdote pela quantidade de atividades realizadas, e o fechamento defensivo que paralisa o impulso evangelizador. A resposta está na caridade pastoral, definida como “o princípio que unifica a vida do presbítero”. É neste contexto que se insere uma importante reflexão dedicada ao discernimento sobre a visibilidade pública do sacerdote e o uso dos meios de comunicação:


“Educado pelo mistério que celebra na santa liturgia, cada sacerdote deve ‘desaparecer para que Cristo permaneça, fazer-se pequeno para que Ele seja conhecido e glorificado (cf. Jo 3, 30), gastar-se até ao limite para que a ninguém falte a oportunidade de O conhecer e amar’. Por isso, a exposição mediática, o uso das redes sociais e de todos os instrumentos hoje à disposição devem ser sempre avaliados com sabedoria, tendo como paradigma de discernimento o serviço à evangelização. ‘Tudo me é lícito! Sim, mas nem tudo convém’ (1 Cor 6, 12).”


Fidelidade que gera futuro

Na conclusão, Leão XIV expressa o desejo de que este aniversário conciliar suscite um renovado impulso vocacional na Igreja. “Não há futuro sem cuidar de todas as vocações”, afirma, convidando a uma pastoral juvenil e familiar mais corajosa e explicitamente vocacional:


“A escassez de vocações sacerdotais exige que todos reflitam sobre a fecundidade das práticas pastorais da Igreja. É verdade que os motivos desta crise podem, frequentemente, ser variados e múltiplos, dependendo, em particular, do contexto sociocultural; porém, ao mesmo tempo, é necessário que tenhamos a coragem de fazer propostas fortes e libertadoras aos jovens, disponibilizando cada vez mais nas Igrejas particulares os ambientes e as formas de pastoral juvenil impregnadas de Evangelho, onde as vocações ao dom total de si possam manifestar-se e amadurecer.”


Por fim, ao confiar os seminaristas, diáconos e presbíteros à intercessão da Virgem Maria e de São João Maria Vianney, o Papa recorda que “o sacerdócio é o amor do coração de Jesus. Um amor tão forte que dissipa as nuvens da rotina, do desânimo e da solidão; um amor total que nos é dado em plenitude na Eucaristia. Amor eucarístico, amor sacerdotal”.

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