sábado, 27 de dezembro de 2025

Bets já prejudicam compra de casa própria, afirma CEO especialista em Minha Casa, Minha Vida

 

                                             Divulgação/BRZ Empreendimentos

  • BRZ completa 15 anos e mira expansão no interior paulista

  • Incorporadora aposta em condomínios com mais de 20 itens de lazer



No segmento econômico, cada centavo faz diferença —e cada escolha de projeto também. Nascida nos primeiros passos do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), a BRZ cresceu acompanhando a evolução do programa habitacional e as mudanças no perfil do comprador, que se tornou mais exigente, mas segue comprando apenas o que cabe no bolso.


Mineira de Pouso Alegre, onde a empresa lançou seus primeiros empreendimentos em 2010, a sócia e presidente da BRZ, Eduarda Tolentino, transformou a construtora em uma das protagonistas do MCMV no interior paulista, hoje seu principal território de atuação. O objetivo, segundo ela, foi ressignificar o conceito de moradia popular e trazer a "experiência de luxo para o segmento econômico".


Com 34 mil apartamentos em mais de 30 cidades no Sudeste (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro), a construtora ainda enfrenta os desafios de construir bem com margens apertadas, escassez de funding e juros altos.


Mas Eduarda aponta um fator mais recente que acendeu o alerta no setor: o peso crescente das apostas online (bets) no orçamento das famílias de baixa renda. "A constância com que esse gasto aparece no extrato e o comprometimento que gera no orçamento da família chamam muita atenção", afirma.


A BRZ nasceu no início do Minha Casa, Minha Vida e hoje atua em mais de 30 cidades. Como essa trajetória se consolidou nesses 15 anos e de que forma o programa moldou o modelo de negócio de vocês?

Eu costumo dizer que a gente é uma empresa adolescente. A BRZ chega no mercado em 2010, em Pouso Alegre, sul de Minas, muito pertinho de São Paulo, para ressignificar o conceito de moradia popular. A gente traz a experiência de luxo para o segmento econômico. Paulatinamente, vamos ampliando a nossa atuação para o interior paulista. Hoje, já entregamos 34 mil apartamentos, com portarias imponentes e áreas de lazer mobiliadas, equipadas e decoradas.


O Minha Casa Minha Vida passou por vários momentos e, a cada ano que passa, a gente vê os resultados mais consolidados e o programa batendo recordes e recordes, de contratação e de resultado. É o que tá segurando o setor hoje em dia, principalmente pelo cenário econômico e da alta de Selic e inflação que a gente tá vivendo.


Empreender no Brasil é para os fortes, porque é muita instabilidade. A gente encontra dificuldade de cumprir algo projetado para o ano seguinte. Quando falamos de um ano no nosso segmento, muita coisa pode acontecer, especialmente no Brasil.


É muito interessante entender o perfil do déficit habitacional. Vemos o Brasil como o oceano azul de oportunidades. Aí vem uma política habitacional federal, que é o programa Minha Casa Minha Vida, de uma forma muito certeira, e traz a condição desse cliente substituir o valor do aluguel —ou na realidade, na maioria das vezes, o valor da prestação é mais baixo do que o valor do aluguel— para que ele adquira algo que seja dele.


A gente lida muito com o sonho do primeiro imóvel, tem um propósito muito grande todo esse nosso modelo de negócio.


A maior parte do déficit habitacional brasileiro está concentrada na faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, enquanto cerca de 15% se encontra na faixa 2 —que atende famílias com renda entre R$ 2.800 e R$ 4.700 e trabalha com juros em torno de 6,5% ao ano. Já a faixa 3 responde por aproximadamente 7% do déficit, e apenas 3,5% está acima desse grupo, mostrando que o problema habitacional do país é essencialmente concentrado nas rendas mais baixas.



O Minha Casa Minha Vida sofreu muito com o preconceito de ser um produto de baixa qualidade no passado. O que mudou? O cliente ficou mais exigente ou a concorrência que subiu a régua?

Esse preconceito existiu muito no início do programa, inclusive nos primeiros empreendimentos que a gente entregou. Era literalmente tido como coisa para pobre. Diziam que o Minha Casa Minha Vida era para quem realmente não tinha menor condição. Se não tivesse acabamento de qualidade, era aquilo e tinha que engolir daquela forma.


Hoje, você tem um público muito mais exigente e isso passa também por uma mudança geracional. A geração Z, que dois anos atrás representava 10% das nossas vendas e no ano passado 30%, já corresponde por quase 50% do nosso volume. São nativos digitais, conectados, que têm acesso à tecnologia independentemente da renda. A gente está falando de uma era de inteligência artificial, de outro cenário de mundo. Isso eleva naturalmente a régua do que eles esperam de um imóvel, do padrão de acabamento, da experiência e até do nível de serviço.


Você vai ver o produto que está sendo ofertado hoje e vai falar: "Isso não é Minha Casa Minha Vida". A gente precisa estudar nossos concorrentes para entender como o mercado está atuando e para fazer melhor.


Em Hortolândia, que foi a primeira cidade de atuação da BRZ no interior paulista, onde já entregamos 19 empreendimentos, mais de 5.000 unidades. A gente detém 40% da participação de mercado e uns 17 concorrentes de igual para igual, zelando para fazer uma área de lazer mais completa, para trazer um produto com mais conforto. Então existiu muito essa evolução por essa concorrência saudável que existe no mercado e que tem que existir.


A BRZ mudou sua sede para Campinas e focou a atuação no interior paulista. Como incorporar nessas regiões, onde a verticalização ainda é incipiente e os clientes estão acostumados a casas?

A estratégia é gerar uma mudança de mindset [mentalidade] do conceito que você tem em regiões que ainda não existe uma verticalização na cidade. Chegamos com a proposta de condomínio fechado, conectado e inteligente, trazendo para o cliente um apartamento mais compacto.


Você tem segurança para deixar seu filho, tem churrasqueira, piscina adulto e infantil, academia, espaço beleza. Hoje, todos os nossos empreendimentos saem com mais de 20 ou 25 itens de lazer, justamente para garantir segurança, praticidade e a experiência de morar com tudo o que ele vai precisar ali dentro.


Tem também o ganho de valorização. Quando você vende um imóvel na planta e compara com depois de pronto, existe uma valorização significativa.


O que faz a BRZ para garantir uma taxa de aprovação alta na análise de crédito da Caixa?

A gente antecipa isso, orientando o cliente a ter um relacionamento com o banco, transferindo a conta salário, usando o cartão de crédito da Caixa como o cartão principal, concentrando o pagamento de contas no banco. Isso cria um histórico, melhora o score e permite que, quando lançamos o imóvel, a taxa de aproveitamento fique entre 70% e 80%.


Monitoramos mensalmente esses indicadores para identificar quem já está pronto para financiar. E o digital entrou como um facilitador decisivo, especialmente com a chegada da Geração Z. Toda a jornada do cliente na BRZ pode ser feita online —da simulação à assinatura do contrato. Fomos piloto da Caixa no Nato Digital, que permite assinar o financiamento de forma 100% remota. O cliente prefere menos contato e mais sinergia, às vezes até virtual.


A prática de apostas online (bets) se tornou muito comum. É uma preocupação para o mercado imobiliário, em especial sobre o público do Minha Casa Minha Vida, que tem um orçamento justo?

É uma dor. Para financiar pela Caixa, não pode haver sequer R$ 1 de pendência. Qualquer restrição já torna o comprador inelegível. E a gente está vendo um cenário de inflação, as coisas subindo muito, e a capacidade de pagamento do cliente sendo estrangulada, por mais que o programa [MCMV] esteja atingindo recordes de demanda.


Essa questão das bets é algo tão complexo e tão estrutural, porque não existe ainda uma regulamentação e tem patrocínios, valores vultosos dos principais times de futebol do Brasil e do mundo, Nesse cenário, gera um nível de complexidade muito maior até para você criar uma legislação.


Com certeza compromete a capacidade de financiamento e de manter o financiamento em dia. Isso a gente tem percebido mais no faixa 2, do cliente com a renda de até R$ 4.700.


Há uma constante preocupação com a falta de verba para o apoio à produção. Vocês já estão buscando outros sistemas de capital para garantir o crescimento da operação?

A gente tem conversado sobre isso internamente. Tem algumas conversas. Depende das condições e do custo do capital. É uma paquera, que vira um noivado, depois vira um namoro. Então, a gente precisa conhecer bem o parceiro, ter a credibilidade, entender que não são todos os projetos que estão sempre 100% dentro da nossa previsibilidade. Tem que ter esse conhecimento no íntimo, ter muito bem definido o processo e a metodologia dessa contratação e desse modus operandi para não ter efeitos e situações negativos lá na frente.


Existe um estudo nosso, sim, com relação a outros produtos, para que possa complementar o nosso orçamento, suprir essa ausência de funding.


A reforma tributária impacta o segmento econômico? Caso os custos aumentem, os repasses ao consumidor serão inevitáveis?

Eu entendo que, principalmente para o segmento econômico, tivemos impactos, mas não tão grandes como no médio-alto. A verdade é que, nos casos em que realmente não conseguirmos absorver esses custos, não teremos outra alternativa a não ser subir o preço e oferecer um produto direcionado para outra faixa —faixa três ou faixa quatro. Acho que o ponto a que conseguimos chegar foi um meio-termo, que não é o cenário ideal. Para o econômico, houve uma suavizada, já para o médio-alto, o impacto foi mais complexo.


Internamente, já estamos nos preparando com treinamentos e sistemas, porque muita coisa precisa ser atualizada imediatamente para adaptar processos, procedimentos e a forma como tudo vai funcionar daqui para frente. Como eu disse no início, num país em que a imprevisibilidade é regra, a gente precisa dançar conforme a música, se atualizar e fazer as coisas acontecerem.


Raio-X | Eduarda Tolentino

Formada em direito e pós-graduada em direito empresarial, entrou na BRZ como coordenadora jurídica, tornou-se sócia e diretora comercial em 2015 e, desde 2020, comanda a operação, acumulando também a presidência do conselho desde 2022. Atua em temas ligados ao Minha Casa, Minha Vida, além de defender maior presença feminina na construção civil. Mãe de três filhos, é uma das principais vozes por equidade de gênero no setor.


Raio-X | BRZ

Faturamento: Mais de R$ 5,07 bilhões em VGV (Valor Geral de Vendas) de empreendimentos entregues e de R$ 7,4 bilhões em VGV de empreendimentos lançados

Funcionários: 1.117 diretos ativos e 1.469 indiretos

Principais concorrentes: MRV, Direcional, Longitude, Plano&Plano e Tenda


Ana Paula Branco

Folha de São Paulo

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