sábado, 4 de dezembro de 2021

Redução de taxa de importação de insumos impacta alimentação animal

 


Brasil depende em 100% da importação de alguns insumos neste setor
Por:  -Eliza Maliszewski


Recentemente o governo federal anunciou a redução 10% na alíquota de importação de insumos usados por vários setores no país. A decisão do Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) vale para 87% dos produtos importados de fora do Mercosul, abrangendo bens como feijão, carne, massas, biscoitos, arroz, materiais de construção, dentre outros. O objetivo é diminuir os preços dos alimentos e serviços ao consumidor.



Vitaminas e aminoácidos para as rações animais estão entre os 10 mil itens beneficiados até o final de 2022. O país tem uma cadeia consolidade de produção de aves e suínos, que devem ser impactados diretamente com uma redução nos custos de produção. O Brasil é o maior exportador de carne de frangos e o quarto produtor de carne suína. O brasileiro consome 46 kg de frangos por ano e 16 kg de suínos. A medida está em vigor desde 12 de novembro. 


O Portal Agrolink conversou com o médico veterinário Guilherme Palumbo, também responsável pela área de ingredientes da MCassab Nutrição e Saúde Animal. Confira:


Portal Agrolink: que impacto direto deve ter a medida em suínos, aves e bovinos, detalhando cada um?


Guilherme Palumbo: essa questão do mercado, da redução da alíquota de imposto é uma situação muito bem-vinda, algo que o Brasil realmente precisa, que uma grande porcentagem dos ingredientes, mais de 90% dos insumos, aditivos, enzimas, aminoácidos, vitaminas, e para a saúde animal, tudo é fabricado internacionalmente. Boa parte disso é oriunda da China, e há uma grande variedade de impostos entre 2% e 14%, sendo que o maior impacto é de 8%. A alíquota vai reduzir 10% sobre o valor de 8%, por exemplo, então vai para 7,2%. De maneira geral, quando falamos ‘independente da espécie’, incluindo aquacultura e animais de estimação, esses produtos [falando de vitaminas e aminoácidos], podem ter um impacto interessante que acumulará durante a cadeia. O ponto ‘ruim’ dessa história é que há uma restrição de material para todas as espécies no momento, ou seja, os produtos que poderiam ter esse benefício à partir do dia 12 de novembro, não o terão agora devido à baixa oferta de material no Brasil. Os preços estão extremamente inflacionados, não só no Brasil, como no mundo. Essa medida vem em boa hora, contudo, ela só será sentida, independente da espécie, na nossa perspectiva, à partir do segundo quarto de 2022.


Portal Agrolink: nas Vitaminas e aminoácidos quanto pode ser reduzido e qual o percentual que pode ser repassado ao criador?


Guilherme Palumbo: se olharmos a situação de hoje, custo em dólar, custos em frete marítimo, que ainda estão elevados, e colocarmos essa redução no imposto de importação, de maneira geral, nas nossas contas, esse impacto, em dólar, pode variar de 1% a 1,8% no valor no Kg do produto, seja aminoácido ou vitamina. Se olharmos, 1% aparenta ser um percentual muito baixo, enquanto devemos lembrar que o ticket médio de um aminoácido, em média, está um torno de US$3,00 o Kg, e o ticket médio de uma vitamina, que tem um branding grande, ele fica, hoje, entre US$12 e US$65. Ou seja, 1% dessa variação é extremamente bem-vindo para quem for pagar. Para o caso do criador, que está na ponta, com certeza o impacto ocorrerá de maneira sutil. O que não podemos controlar é a desvalorização cambial, que em momentos de instabilidade, o real tende a perder força. Mas de uma maneira linear, o dólar se mantendo estável, e os custos se mantendo da maneira que estão, esse repasse será interessante a partir de abril, março e junho.


Portal Agrolink: o que tem motivado a constante alta dos componentes da alimentação animal para a indústria? O que se projeta para o ano que vem, nova alta ou equilíbrio?


Guilherme Palumbo: essa é uma excelente pergunta, que todos as agroindústrias e criadores têm nos procurado para responder. Existem algumas tendências que nos ajudarão a nos guiar já na entrada de 2022. A alta dos preços dos insumos vem ocorrendo por inúmeros fatores: um deles faz parte dos resquícios do final de 2019, começo de 2020, com a pandemia, e refletiu fortemente em 2021; o segundo ponto importante é sobre questões ambientais. A pressão por baixas emissões de carbono vem intensificando na Europa e Estados Unidos. Após a COP 26, onde a China teve um palco importante, sendo o maior poluidor, em virtude da entrega de N commodities ao redor do mundo, ela também vem mudando a sua malha energética. Então, a mudança desse paradigma de uma energia à base de carvão para fontes renováveis exige um grande custo e, nesse momento, esse valor vem mostrando efeito, ou seja, para ganhar crescimento e energia, a China precisa diminuir a sua capacidade de “energia green” para a energia poluente, que é o carvão. Com isso, para ganhar escalabilidade, eles foram forçados, literalmente, a usar a matriz energética carvão, que estava extremamente elevado o seu custo. Outro ponto importante é que o governo na China tem grande autoridade dentro das indústrias, então cada província, que seria o equivalente aos nossos estados [no Brasil], ela tem uma demanda e uma questão, seja por ambiente, seja por questão de empregabilidade, ou seja até por pagamento de pessoas, corroborando com todo esse fenômeno. Entretanto, não só falando da China, mas outras regiões da Europa seguem essa mesma premissa, tendo, ainda, grande produção, porém, em menor escala, com 30% das vitaminas, por exemplo, sofre pressão energética em virtude do gás oriundo da Rússia, que está sofrendo essa mudança energética, ficando pressionada a esses aumentos de preço e questões de custo. E uma outra coisa que vem mudando valor desde o início da pandemia até agora, é que todo o sistema logístico internacional, fretes marítimos, containers, estão totalmente desestruturados, muitos containers estão concentrados na China, Europa e nos Estados Unidos, e os navios não conseguem entregar na velocidade necessária. Especula-se que isso só será melhorado e balanceado da forma como era antes da pandemia, no final do ano de 2022, segundo nossos comex vêm monitorando com os agentes, e isso é um cenário que vai continuar, e que terá uma folga após as festividades na China.


Outro fator importante é que a China entrará em dois momentos importantes: o feriado chinês, que começa no dia 30 de janeiro, embora inicie as festividades à partir do dia 14/01, onde boa parte da produção industrial da China e a parte logística passam a ter uma redução considerável de suas atividades e, a partir do dia 30, as fábricas cessam suas atividades por duas semanas. Durante esse período, haverá também os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, do dia 04/02 ao dia 20/02, estimando que a China faça controle de produção assim que acabar o feriado. Dessa maneira, eles iniciarão a produção em ‘modus operandi’ a partir de já para diminuir a emissão de poluentes na atmosfera. Provavelmente, em suma, acreditamos que esse fenômeno arrastará esses valores de total desequilíbrio até o final do segundo quadrimestre. Já vemos, lá para a frente, uma tendência de possíveis quedas, com possíveis normalidades no segundo semestre. Mas, existe agora uma nova variável ômicron. A China tem uma política de conduta zero em relação ao vírus [do covid-19], com casos baixíssimos, e tal controle faz com que eles sigam os lockdowns em algumas cidades ou províncias, sendo comum ao longo desses quase dois anos. Com essa nova variante, poderemos prever que a China será mais “agressiva” quanto às políticas de lockdown, por ser uma variante diferente e atípica, sendo mais um fator de desafios.


Portal Agrolink: qual a posição do Brasil em relação a esses ingredientes? Somos dependentes de importação igual acontece com fertilizantes? Há como reverter e focar em produção nacional?


Guilherme Palumbo: o Brasil depende das vitaminas em modo externo em 100%. Dos aminoácidos, depende em alguns casos, em 100% , como a trionina e a metionina, e outros parcialmente, que ainda existe produção local, como a lisina e a valina. Podemos dizer que a lisina tem uma contribuição nacional, atendendo uma demanda de 70% a 75%; a valina, é menor que 15% a demanda local. Ou seja, a entrada desses aminoácidos de origem externa ainda é essencial para a manutenção da indústria. Outro produto que também é muito usado em aves e suínos, que é o cloreto de colina, que é feito quase que exclusivamente na China, dependemos 100% desse material, que é de origem externa.


É uma pena que o Brasil não tenha investimento nessa cadeia, uma vez que o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de ração, estando atrás da China e dos Estados Unidos. Nós necessitamos de material vindo do outro lado do mundo, seja da China, Indonésia e até da Europa e Estados Unidos, em alguns casos. Infelizmente, esses ingredientes essenciais, que otimizam os resultados, nós somos obrigados a ter esse tempo de trânsito de navio, tempo de expedição dos produtos, liberação nos portos e armazenagem. Então, muitas vezes, o que pode acontecer, e o que acontece nos últimos anos de maneira mais intensa, é que esses ingredientes, quando começam a ter suas baixas de preço, a indústria brasileira não consegue utilizar essas quedas, como ocorre dentro da China, ou seja, o produto apenas terá impacto após 2 meses e meio a 4 meses quando chegar no Brasil. Por exemplo, se há redução no valor do produto na China agora em dezembro, esse impacto só ocorrerá para nós em meados de março ou abril de 2022.


É um tempo longo para isso acontecer e, infelizmente, a dependência é grande. Há, ainda, outros insumos que tinham produção local e hoje já não tem mais ou que estão muito reduzidos, como a ureia, ou os fosfatos, que dependemos ainda de uma matriz externas. Estamos, de fato, muito presos a essa situação e, até onde sabemos, não perspectiva de investimento ou ampliação de inclusão desses produtos, exceto alguns que há certos projetos de início de produção de triptofano. Mas, ao contrário, esses aditivos com alto ticket médio, que fazem parte de um grande desempenho em aves, suínos, bovinos, gado de leite, peixes e pet, infelizmente, nós temos que lidar com toda essa cadeia de suprimentos para que tenhamos êxito na nossa alimentação. É bom lembrarmos, também que Brasil e China é a maior rota marítima do mundo, então estamos em desvantagem logística em relação a esses países.

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