Estadão Conteúdo Foto:Marcelo Casal Jr
A retórica agressiva de Donald Trump contra a China na disputa pelo domínio 5G deve ser substituída por meios tradicionais como diplomacia e inteligência com a eleição de Joe Biden. Especialistas apontam que a guerra comercial entre os dois países vai além das preferências de democratas e republicanos e será mantida, ainda que com uma estratégia diferente. Para o Brasil, a pressão americana pode diminuir nos primeiros meses, mas voltará em 2021, quando está previsto o leilão de frequências do 5G.
As relações entre EUA e China continuarão tensas, mas em um ambiente submerso, avalia o diretor de estratégia da Arko Advice, Thiago Aragão. Ele destaca que o democrata já se manifestou a favor de uma aliança internacional contra a China, focada na defesa da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia. "Biden não vai acabar com essa tensão. Ela vai ocorrer, mas o perfil de Biden e dos democratas, de forma geral, é diferente. Não teremos mais o reality show do Trump no Twitter o dia inteiro", afirma.
Para o ex-ministro das Comunicações e ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros, "o problema é que os EUA perderam o bonde da tecnologia e não conseguem recuperar". "Os EUA não possuem mais indústria de telecomunicações", diz. "Biden pode até não falar como Trump, mas é um tema que vai muito além da retórica. Passa por política industrial, tecnológica e geração de empregos."
Quadros ressalta que o mundo conta hoje com três fornecedores de equipamentos centrais para o 5G: a chinesa Huawei e as nórdicas Ericsson e Nokia. Os EUA dependem totalmente das duas últimas, mas, ao mesmo tempo, a Huawei fornece itens para ambas.
O 5G representa uma chance de desenvolvimento econômico. A relevância das empresas chinesas no mundo da tecnologia começa a ir além da Huawei. Os aplicativos chineses se tornaram febre entre jovens nos últimos anos, como o WeChat, semelhante ao WhatsApp, e o TikTok, que já tem 1 bilhão de usuários. Ambas as empresas chinesas sofrem pressão direta de Trump para que sejam vendidas para um novo dono, ou banidas do território americano.
Os EUA não são os únicos preocupados com o domínio econômico e tecnológico chinês. O movimento americano começa a se tornar global. O Japão, por exemplo, decidiu reativar investimentos em telecomunicação por meio da NEC.
Para o Brasil, a vitória de Biden alivia pressões pelo banimento da Huawei, mas só no curto prazo, avalia o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude. "Independentemente da posição que Biden adotar, nos primeiros seis meses depois da posse haverá um tempo até que postos sejam assumidos e comecem a arrumar a casa."
Quanto mais silenciosa for a relação entre Biden e Jair Bolsonaro nos primeiros meses, maior a chance de que o Brasil mantenha a ideia de banir a Huawei do País, avalia Aragão. A maior barreira a esse plano é justamente uma das maiores bases de apoio do governo: a bancada ruralista. "O agronegócio acredita que esse tema pode provocar retaliação desnecessária ao País."
Por outro lado, a pressão de Biden sobre a política ambiental brasileira também pode ser fonte de atritos. "Se Bolsonaro quiser retaliar Biden de uma maneira forte, manter a Huawei é a possibilidade que está na prateleira. Não acho que faria isso, mas tampouco descarto uma decisão mais emocional nesse processo", diz Aragão.
Para além do 5G, banir a Huawei do Brasil possivelmente aumentaria o custo dos serviços de telecomunicações. Ela já atua há 20 anos no País e é uma das principais fornecedoras das operadoras de telecomunicações. Segundo a Anatel, a Huawei está presente em 35% a 40% da infraestrutura das redes de telefonia móvel de 2G, 3G e 4G do País, ficando atrás apenas da Ericsson.
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