BBC Mundo Foto: Getty Images
Arturo Wallace
Eles são a última esperança para a maioria dos pacientes gravemente afetados pelo novo coronavírus.
Mas nem mesmo os sistemas de saúde dos países mais ricos do mundo estão equipados com a quantidade de respiradores que a pandemia da covid-19 pode exigir.
Isso já obrigou os médicos da Itália e da Espanha a tomarem a difícil decisão de quais pacientes conectar a essas máquinas e quais não — o que, em muitos casos, equivale a uma sentença de morte.
E, na corrida desesperada para suprir o déficit de respiradores, governos de todo o mundo tem exigido que indústrias de todos os tipos — de montadoras a fabricantes de aspiradores de pó — coloquem toda a sua capacidade de produção para fabricar o produto.
"Estamos com um problema sério, nunca visto antes, jamais pensado, exceto em filmes de catástrofes, e a verdade é que estamos vendo isso com grande preocupação", diz Gustavo Zabert, pneumologista da Clínica Pasteur em Neuquén, Argentina, e presidente da Associação Latino-Americana do Tórax.
"E na região não conseguiremos contornar isso de uma maneira diferente do que está acontecendo em outras partes do mundo, a menos que consigamos amenizar o pico da epidemia", disse ele à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
A epidemia de covid-19 está levando os sistemas de saúde dos países mais afetados ao limite
Mas o que são os respiradores, como eles funcionam e por que eles desempenham um papel tão crítico na batalha contra o coronavírus?
E quão realista é a ideia de que indústrias e até indivíduos equipados com impressoras 3D possam começar a fabricar esses dispositivos médicos vitais em poucos dias?
Bombando oxigênio
Os respiradores são necessários, pois estima-se que aproximadamente 5% dos pacientes com covid-19 acabem sofrendo a chamada síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).
"É a resposta inflamatória excessiva (dos pulmões) à infecção, neste caso viral, por coronavírus", explica Oriol Roca, médico associado do serviço de medicina intensiva do Hospital Vall d'Hebron, em Barcelona.
"Um tipo de membrana é criada e o oxigênio não pode passar por ela, o que naturalmente causa insuficiência respiratória", descreve o médico Ferran Morell, ex-chefe do serviço de pneumologia do mesmo hospital.
"É uma condição que não tem tratamento. A única solução é colocar os pacientes em ventilação mecânica e esperar que ele tenha sorte e que seu organismo reaja", disse ele.
E, se em tempos normais a taxa de pacientes com SDRA já é alta, o prognóstico parece ser ainda pior nos tempos de coronavírus.
'O respirador não é algo que cura por si só, mas permite economizar tempo para o tratamento entrar em vigor', explica o médico Oriol Roca
A porcentagem, no entanto, seria significativamente maior sem respiradores artificiais, capazes de garantir a chegada de oxigênio no sangue.
Segundo Oriol Roca, esses dispositivos fazem isso de duas maneiras: fornecendo ao paciente mais oxigênio do que o ar ao seu redor e trabalhando como uma bomba capaz de superar a resistência da membrana que impede sua passagem.
"Em condições normais, respiramos porque nosso diafragma se contrai e deixamos entrar o ar em nossos pulmões. Mas, quando há inflamação, esse processo que, em condições normais usa muito pouca energia, torna-se muito mais difícil para o paciente e pode acabar esgotando-o", diz o especialista do Vall d'Hebron.
"Então, o que o respirador faz é empurrar o ar para dentro do paciente e também fornecer a ele não apenas ar, mas até 100% de oxigênio, ou seja, muito mais oxigênio do que respiramos normalmente", resume.
Os respiradores modernos começaram a tomar forma nos anos 50.
Máquinas capazes de fazer as duas coisas começaram a se desenvolver durante a epidemia de poliomielite na década de 1950.
"Mas, no nível de sofisticação de hoje, os respiradores podem realizar essa função muito básica de maneiras muito diferentes e com muitas variações, o que nos permite personalizar muito bem, aos pés da cama, que tipo de respiração você precisa a qualquer momento, a partir da evolução da doença de cada paciente ", enfatiza Roca.
Sem lidar
O grande problema, no entanto, é a falta de equipamentos para atender à demanda gerada pela pandemia de coronavírus.
"5% pode parecer pouco, proporcionalmente", diz Zabert, referindo-se à porcentagem de pacientes de covid-19 que acabam precisando de respiradores artificiais.
"Mas a contagiosidade do vírus gera enorme quantidade de casos de pacientes com insuficiências respiratórias, o que faz com que os recursos em qualquer parte do mundo sejam insuficientes", explica ele.
No Reino Unido, por exemplo, o governo está tentando obter mais 30 mil respiradores para complementar os 8 mil disponíveis no país.
E 30 mil é o número de respiradores que o governador de Nova York, Andrew Cuomo, estima que seu Estado precise para lidar com a pandemia.
Esse número, no entanto, é superior à soma de todos os respiradores disponíveis no México, Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Equador e países da América Central, segundo cálculos do presidente da Associação Latino-Americana do Tórax (Alat).
Disponibilidade de respiradores na América Latina
País Respiradores Índice por 100.000 habitantes
Brasil 66.000 31,4
Argentina 8.500 19,3
Colômbia 5.300 10,6
Chile 1.600 8,8
Equador 1.200 7
México 5.000 3,84
América Central 1.500 2,5
Peru 270 0,8
Números não oficiais relatados por membros da Associação Latino-Americana do Tórax, ALAT.
De acordo com uma rápida pesquisa realizada pelo Zabert entre os membros da Alat, o país latino-americano mais bem equipado para enfrentar o aumento esperado da demanda é o Brasil, que possui cerca de 66 mil respiradores, para uma população de 210 milhões de habitantes.
Mas o Brasil pode ver essa capacidade saturada em questão de dias, mesmo nos cenários mais conservadores possíveis.
"Se estivermos preparados para receber 40 casos por milhão (de habitantes) — ou dobrar, 80, 100 casos por milhão — já será difícil. Mas imagine enfrentar um cenário de 10 ou 60 vezes mais do que isso, como o que está acontecendo em alguns pontos na Itália ou na Espanha", enfatiza Zabert.
Para demonstrar esse cenário, o médico compartilha algumas projeções ilustrativas que usam uma taxa estável de crescimento das infecções e assumem uma distribuição homogênea de capacidades nos diferentes territórios. Elas também não levam em conta as demandas geradas por outras patologias — mas "ajudam a ter uma ideia" do tempo de saturação dos sistemas de saúde da América Latina.
Dias antes dos respiradores serem saturados*
País 10 vezes mais casos que os atuais (em dias) 60 vezes mais casos (em dias)
Brasil 14,62 2,73
Argentina 8,99 1,68
Colômbia 4,93 0,92
Chile 4,13 0,77
Equador 3,28 0,61
México 1,79 0,33
América Central 1,16 0,22
Peru 0,38 0,07
*
Segundo esses cálculos, em um cenário de baixa incidência — de 43 casos por 100 mil habitantes —, os respiradores disponíveis no Brasil ficariam saturados em 14 dias.
"A Argentina teria uma janela de aproximadamente 9 dias; Colômbia e Chile saturariam em aproximadamente 4 dias, 4 dias e meio. E o resto da região fica abaixo de três dias", conta ele.
Se a incidência atingir os níveis observados em partes da Espanha ou da Itália, na maioria dos países da América Latina os respiradores existentes ficariam saturados após o primeiro dia.
Como em tempos de guerra
Por tudo isso, os países da região já estão fazendo todo o possível para adquirir mais dispositivos.
"A grande maioria dos países afirma que deseja aumentar o número de respiradores disponíveis em nada menos que 20 a 30%. Eles estão tentando adquiri-los", diz Zabert.
Os serviços de saúde da América Latina podem entrar em colapso em questão de dias.
"A Argentina já pediu para aumentar seus respiradores em aproximadamente 30%, o Chile fez exatamente o mesmo, a América Central está solicitando quase 50% a mais de respiradores", detalha ele.
No entanto, com todos fazendo o mesmo, a tarefa não será fácil, mesmo com o dinheiro disponível.
O motivo: simplesmente não existem muitos respiradores disponíveis. E nem mesmo com todos os fabricantes trabalhando em plena capacidade, será possível atender a demanda atual.
Somente nos Estados Unidos, por exemplo, a American Hospital Association estimou em um milhão o número de pacientes de covid-19 que podem precisar de respiradores no país, que possui 160 mil máquinas.
Isso explica por que gigantes da indústria automobilística, como a Ford, General Motors e Tesla e as equipes japonesas da Nissan, começaram a adaptar suas linhas de montagem para ajudar na fabricação do equipamento.
Não são apenas as montadoras que aumentaram o front de resistência ao vírus: no Reino Unido, a Airbus também faz parte do consórcio Ventilator Challenge UK, que está ajudando a aumentar a produção dos modelos, enquanto o fabricante de aspiradores de pó Dyson já tem um pedido para 10 mil novos equipamentos.
"É como os tempos de guerra, quando as indústrias começam a fabricar armas", compara Morell.
De fato, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já ameaçou recorrer à chamada Lei de Defesa da Produção — uma lei da época da Guerra da Coreia — para acelerar o processo.
O governador de Nova York, Andrew Cuomo, também usou linguagem bélica para descrever a situação: "Os respiradores são para esta guerra o que eram os mísseis para a Segunda Guerra Mundial", disse ele.
E, nesse contexto, grandes empresas também se juntaram a equipes que trabalham com impressoras 3D para ajudar a preencher a lacuna.
Inventores de todo o mundo estão trabalhando no design e fabricação de novos respiradores artificiais
"Aqui na Catalunha (Espanha), alguns colegas estão desenvolvendo um respirador 3D em colaboração com uma equipe de engenheiros", diz Roca.
"Eu acho que é uma alternativa válida, que pode responder a uma situação de pandemia com garantias de poder ventilar certos pacientes por um curto período de tempo", disse ele à BBC News Mundo.
Soluções em outros lugares
Roca e Zabert, no entanto, destacam que mais respiradores são apenas parte da solução.
"Os respiradores têm de ser operados por pessoas. E por pessoas que entendem essa tecnologia", diz o pneumologista Gustavo Zabert.
Além dos respiradores, é preciso ter pessoas que possam manejá-los
"Embora hoje a grande maioria seja de respiradores microprocessados, simples de administrar e gerenciar, para evitar danos aos pacientes, eles exigem uma estratégia de uso, uma estratégia de ventilação que requer algum nível de experiência", explica Zabert.
Para ele, não se pode esquecer que a ênfase deve estar na prevenção de mais casos de coronavírus.
"A melhor coisa que podemos fazer é diminuir o pico da infecção, diminuir o número de casos, para que possamos ter tempo de disponibilizar respiradores", disse.
"Mais uma vez, a medicina científica mais avançada impõe o grande paradoxo de ter que se fortalecer na prevenção com medidas simples como lavar as mãos e isolamento social", reflete o pneumologista da Clínica Pasteur.
"Conectividade, globalização e eu diria a você que a arrogância da ciência médica e a arrogância da política também nos levaram a ser incapazes de compreender a pandemia. Mas, se conseguirmos contê-la, isso nos permitirá ter tempo para enfrentá-la de uma maneira diferente", conclui.
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