segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Bom dia, Hoje eu mato um jornalista

Fausto Brites

8h. O interfone tocou na redação numa manhã dos anos 70.
– Fausto, tem um homem armado. ‘Tá indo aí na redação – disse, nervosa, uma das funcionárias da livraria do Correio do Estado, em cujo prédio na Rua 14 de Julho, entre a Cândido Mariano e Maracaju,  ficava também a redação.

Para se chegar à redação nos fundos do prédio, era necessário ou usar um corredor na lateral ou atravessar a loja. A segunda opção era franqueada  mais para os repórteres. O invasor, no caso, tinha preferido encurtar caminho, entrou na loja e pela voz trêmula da funcionária, percebia-se que a situação não era nada boa.

Alertei, então, o jornalista Hordonês Rodrigues Echeverria:
– Hordonês, tem um cara vindo aí armado. Pela voz da menina lá da frente parece que o “bicho” está nervoso.

Nem precisamos falar nada. Com o olhar, assentimos em sair e ver o que estava acontecendo. Afinal, numa situação desta é melhor enfrentar do que ser pego de surpresa. É claro que, no meu caso, estava engolindo em seco sem saber o que viria pela frente.

Quando saímos no corredor, vimos vindo em nossa direção um delegado da Polícia Civil, com o revólver a cintura, e muito agitado. Passos trôpegos, olhos vermelhos, cabelos em desalinho demonstravam que ele teria passado a noite bebendo.

O delegado era nosso conhecido e até então tínhamos um bom relacionamento.
– Bom dia Fausto, bom dia Hordonês.  Hoje eu vou matar o chefe de vocês. Eu não sou covarde, não – disse com voz pastosa o delegado, afirmando que ali estava para matar o chefe de redação do Correio do Estado.
– Pra que isso? Vai adiantar alguma coisa? Volta pra casa, esfria a cabeça. – Tentei argumentar.
– Vou até as últimas consequências –, disse ele, muito nervoso.
– Você vai estragar sua vida. Não precisa disso. Você é uma autoridade. Pra que chegar a esse extremo? –, falou o Hordonês.
Mas, nossos apelos não faziam o menor efeito.
– Ele não está aqui. Você está perdendo o seu tempo. Vai pra casa, relaxa, fique tranquilo. Na hora que você estiver bem, liga pra ele e aí vocês conversam – expliquei e sugeri
– Eu estou muito bem. Ele é que não vai ficar – disse . 

Qual era o motivo da revolta do delegado?

Poucos dias antes, dois indivíduos residentes em Dourados vieram para Campo Grande e, na tradicional lanchonete Topo Gigio, situada na Avenida Afonso Pena, beberam, comeram, não pagaram e ainda agrediram o proprietário que era uma pessoa muito benquista pela população. 
Quando fugiam, foram presos e levados para a Delegacia Central de Polícia, na 14 de Julho, entre a 26 de Agosto e 7 de Setembro. Como os dois eram filhos de família tradicional de Dourados, foram liberados em seguida.

Diante disso, o Correio do Estado se posicionou a respeito e não só cobrou providências da Secretaria de Estado de Segurança Pública – o Estado não tinha sido dividido ainda – pela atitude do delegado, como destacou que sua ação foi motivada por questões políticas, a fim de agradar a família dos agressores. A autoridade, com seu gesto, teria sucumbido à covardia, segundo o jornal.

Isso irritou profundamente ao delegado, que decidiu resolver a situação usando a famosa, à época, a “Lei do 44” (como as pessoas se referiam quando as questões eram resolvidas à bala desse calibre). Durante a conversa, sentimos que o delegado estava ficando mais calmo. Afirmou que não era “um covarde” com medo “de político” e que não merecia ter sido tratado daquela maneira.

Pedimos que ele guardasse o revólver na bolsa que carregava e o levamos em direção ao corredor lateral para que deixasse o prédio.

– Você veio de táxi?- perguntou o Hordonês.
– Não, Vim no meu carro, mesmo.
– Você está em condições de dirigir? Não é melhor a gente chamar um táxi?. Depois você pega o seu carro – argumentei.
– Se eu posso matar ele, vocês e quem passar na minha frente, não posso dirigir um simples carro? – disse.
Ele, então, entrou no carro, deu partida e foi embora. Dois dias depois, ligou, pediu desculpas e nunca mais falou comigo até dias atrás quando o encontrei, em um velório de um amigo em comum. Ao me ver, abriu um sorriso, me deu um abraço e disse que estava aposentado. 
Conversamos sobre amenidades e, em seguida, perguntou:
- Quando é que você vai escrever o seu livro? Você deve ter muitas histórias para contar, né?.
– Com certeza, respondi.

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