terça-feira, 7 de junho de 2022

Julgamento no STJ dá aval para que planos de saúde cortem terapias a autistas

 

Sem vincular Tribunais Estaduais, decisão poderá servir de base para futuros julgamentos

LÉO RIBEIRO


Será retomado hoje(08) - no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) - o julgamento que analisa se as operadoras de saúde podem ou não ser obrigadas a arcar com procedimentos não incluídos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).  


Apesar de não vincular os Tribunais Estaduais, a decisão poderá servir de base para futuros julgamentos, o que gera um incerteza jurídica, como explica a advogada Especialista em Direito da Saúde e Tutelas de Urgência contra Planos de Saúde , Raíssa Duailibi Maldonado Carvalho.  


"É um importante precedente onde os Tribunais podem utilizar o julgamento como referência nas decisões, Caso o Rol da ANS seja considerado taxativo poderá ter um impacto catastrófico colocando milhares de beneficiários de planos de saúde em situação de extrema vulnerabilidade", diz.


Presidente da Comissão de Defesa do Direito da Pessoa com Autismo da OAB/MS e Membro da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo do Conselho Federal da OAB, Raíssa aponta que, se o Rol da ANS for considerado taxativo, o impacto poderá ser catastrófico.  


"Colocando milhares de beneficiários de planos de saúde em situação de extrema vulnerabilidade. Este julgamento pode significar um verdadeiro retrocesso e teremos inúmeras decisões equivocadas causando grandes prejuízos a toda população que depende do Poder Judiciário para conseguir garantir o devido Acesso à Saúde", comenta.  


entenda

Com o rol exemplificativo, a lista ANS passa a funcionar  só como referência mínima, sendo que outras demandas podem ser atendidas sob solicitação médica.


Já no modelo taxativo, defendido por planos de saúde, não há possibilidade da inclusão de terapias ou exames não listados pela agência regulatória.  


Importante frisar que, conforme agência Folhapress, nos últimos meses planos de saúde de ao menos quatro estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Norte) suspenderam terapias já concedidas a crianças com autismo, inclusive algumas garantidas por meio de liminares.


"No momento devemos fazer mobilizações defendendo que o Rol taxativo da ANS mata", destaca a advogada especialista.  


Ela faz questão de mencionar que,  caso o rol seja considerado taxativo, ainda que não tenha efeito vinculante, haverá um novo cenário no Poder Judiciário.  


"acredito também que haverá algumas exceções na taxatividade, porém, nós como defensores da saúde teremos que estar mais preparados para futuras decisões dos Tribunais, pois, com certeza, será mais difícil conseguir o deferimento da tutela do jurisdicinado  caso o rol seja considerado taxativo", explica.


na pele

Conforme a diretora de patrimônio da Associação de Pais e Amigos do Autista de Campo Grande, Flávia Caloni Gomes, as dificuldades para os pais e pessoas com graus mais leves do Transtorno do Espectro Autista, começa já no diagnóstico, que pode ser "demorado e estressante".  


"Envolve a análise total, comportamental, é uma avaliação clínica e que envolve conversa com pais, avaliação da criança. Então, o próprio diagnóstico é muito estressante para os pais. E quando se consegue, nem sempre ele é claro o suficiente para que o tratamento possa ocorrer de maneira adequada e seja realizado de forma plena, né?", comenta ela, que é mãe de criança autista.  


Flávia expõe que essa dificuldade se dá tanto com os convênios, quanto no próprio SUS, e que nem sempre há profissionais com conhecimento do autismo.  


"O autismo quanto mais cedo foi feito o diagnóstico. Mais cedo também a gente tem que entrar com os tratamentos, o processo todo de intervenção. Na criança, ele precisa de um acompanhamento multidisciplinar, que envolve neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e, em alguns casos, parafisiologistas, quando a locomoção é prejudicada", comenta.


Nesse caso que passa pelo STF, ela destaca que o principal ponto é sobre o ABA  (do inglês, "applied behavior analysis"), que se baseia em análise de comportamento e de intervenções para estimular linguagem, independência diária e diminuir comportamentos de risco, como agressões.


Ela conta que nessa situação é um outro profissional que vai na casa e faz a aplicação do tratamento, que dura no mínimo 40 horas semanais.  


"Para nós vai ser complicado, porque hoje o que está sendo atendido é a quantidade que está sendo atendido. talvez não vá ser abrangido pela ANS. O ABA mesmo, a análise do comportamento, não está no rol taxativo para tratamento do autismo - e tem algumas doenças que vão perder muito também com essa situação", comenta.  


Exemplo de quem enfrenta a situação, ela fala que os pais e mães de autistas estão bricando mais pela causa por entenderem da situação.  


"nos filhos mexe com toda a questão de comportamento, ficam agressivos, eles se recolhem mais ainda. Tem toda uma questão de perda daquilo que você conseguiu fazer, que seu filho tenha autonomia, um comportamento mais dentro do adequado", revela.  


Por fim ela lembra do caminho percorrido, relatando que, famílias que tentam esse tratamento adequado, às vezes não conseguem no plano de saúde.  


"Tem que ter uma negativa e entrar com pedido na ANS e, na maioria das vezes, tem que judicializar, conseguir liminar. Acabando o rol exemplificativo, a gente vai perder essas ações. O ABA é um tratamento caro e a maioria dos pais vai ter sem esse atendimento que é fundamental para evolução dos nossos filhos", finaliza. 

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