quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Raiz fiscal explica ajuste de prêmio nos títulos públicos, e não Selic a 2%, diz diretor do BC

 Reuters

A raiz fiscal está por trás do ajuste de prêmio nos títulos públicos, com os fundos de investimento de longo prazo, compradores cativos de LFTs, deixando de ser formadores de preços na margem, defendeu nesta quarta-feira o diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra.

Em live promovida pela Renascença DTVM e Panamby Capital, ele avaliou que a situação não deriva de uma insatisfação com a taxa Selic no nível atual de 2% ao ano, mas de uma mudança na estrutura de mercado que está levando para menos demanda por título público.

Em apresentação, Serra destacou a maciça captação líquida de CDBs (474 bilhões de reais) e da poupança (174 bilhões de reais) de 30 de setembro do ano passado a 25 de setembro deste ano, ao passo que os fundos de renda fixa de longo prazo perderam 237 bilhões de reais.

“A raiz da questão é fiscal. O problema não são os 2%, o problema é o prêmio que o Tesouro tem que pagar acima da taxa Selic, estamos falando de algumas dezenas de ‘basis points’ (pontos-base)... e não do nível da taxa Selic propriamente dita”, afirmou ele.

Serra ponderou que, apesar de início “um pouco mais abrupto” na reprecificação das LFTs, na margem o BC vê agora um movimento bastante mais comportado do que aquele que geraria preocupação ou levantaria o alerta quanto a disfuncionalidade do mercado.


Ele destacou que, em meio à pandemia de Covid-19, a necessidade de financiamento do Tesouro aumentou muito rápido, num período em que os fundos de longo prazo pararam de crescer e inclusive tiveram seu tamanho reduzido.

Com isso, outros players acabam se encarregando da formação de preços, e estes “precisam cobrar pela falta de liquidez” associada às LFTs.

“A gente vai ter que incentivar os próprios fundos a alocar seus recursos num ativo mais longo, e o que vai incentivar vai ser preço”, disse ele, lembrando que no passado esse incentivo ocorreu via redução tributária, com instrução normativa da Receita Federal que permitiu uma incidência de alíquota menor de Imposto de Renda, de 15%, no alongamento do prazo de investimento nesses fundos.


Segundo Serra, as LFTs, títulos pós-fixados atrelados à Selic, demoraram mais para ser reprecificadas porque são menos líquidas justamente porque, com o incentivo tributário, os fundos ficavam concentrados em LFTs e carregavam o grosso dos papéis.


Ele pontuou que, apesar das mudanças recentes, o processo de resgate pelos fundos não tem acelerado na margem.


“O grande risco do processo é agora. Passada essa janela mais curta, eu tenderia a ficar bastante mais tranquilo com relação ao ajuste. Acho que a gente já está no meio do processo ou no fim dele”, disse.


Os comentários foram feitos após o BC ter anunciado na última sexta-feira, em conjunto com o Tesouro, alterações nos critérios para os leilões de operações compromissadas com títulos públicos e também alterações no cronograma de venda desses papéis ao mercado, em um esforço para reduzir a pressão sobre as condições de financiamento da dívida pública.


As ações miram a elevação da demanda por LFTs, uma vez que haverá menos compromissadas na praça, reduzindo assim prêmio dos títulos flutuantes.


A preocupação do BC é de que a elevação dos prêmios nas LFTs poderia causar perdas nos fundos de renda fixa, levando a retiradas e forçando uma venda de ativos e das próprias LFTs, realimentando um processo de “fire sale”.


POLÍTICA MONETÁRIA


Sobre a política de orientação futura implementada recentemente pela autoridade monetária, Serra destacou que, caso algum desdobramento fiscal leve o BC a abandonar o chamado “forward guidance” --por meio da qual a autoridade monetária se comprometeu a não elevar os juros mantidas algumas condições--, isso não significa que a taxa Selic seria necessariamente elevada, frisando não se tratar de um “desenvolvimento mecânico”.


“Qualquer coisa pode acontecer depois da queda do ‘forward guidance’”, afirmou o diretor, ressaltando que o BC, nesse caso, voltaria a discutir seu cenário-base, o balanço de riscos e mudanças nas projeções de inflação.


Já quanto à venda de reservas internacionais, ele afirmou que o BC sempre teve disposição de ir adiante com a investida, embora nenhum desejo de fazê-lo.


Serra defendeu que as reservas servem para proteger o país de choques externos, evitar que baques que não têm a ver com economia brasileira sejam transmitidos ou evitar o mau funcionamento do mercado de câmbio.


“Não temos receio de usar nenhum instrumento e nenhuma vontade de usar por motivos que não sejam a execução da política cambial e bom funcionamento do mercado”, disse.

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