quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Medicamentos para perda de peso são usados para tratar dependência de álcool e cocaína

 

                                            Reshma Kirpalani/The Washington Post

  • Médicos nos EUA prescrevem uso off-label de injeções como Mounjaro e Zepbound

  • Remédios podem ajudar a controlar o vício, mas não curam, apontam especialistas


Quando Susan Akin, 41, começou a injetar um cobiçado medicamento para perda de peso, no início deste ano, o caos em seu cérebro se acalmou. A compulsão implacável diminuiu.


Sua compulsão, porém, não era por comida. O medicamento atenuou seus impulsos por cocaína e álcool, que já a tinham feito bater o carro contra uma árvore, entrar em uma espiral de psicose e acabar internada em um centro de tratamento de dependência de alto padrão em Delray Beach, na Flórida (EUA).


Médicos do Caron Treatment Centers tentaram uma abordagem inovadora e prescreveram Zepbound, que faz parte de uma classe de medicamentos de grande sucesso para tratamento de obesidade e diabetes conhecidos como GLP-1.


Os órgãos reguladores federais não aprovaram esses medicamentos para esses fins, mas médicos já os estão prescrevendo off-label (quando indicam uso de forma diferente do determinado pela bula), encorajados por estudos que sugerem que eles poderiam remodelar o tratamento da dependência.


Cientistas alertam, contudo, que a pesquisa está em fase inicial. De acordo com especialistas em dependência, esses medicamentos podem não trazer a cura, mas podem funcionar como uma ferramenta para acalmar o vício.


Akin afirma que a injeção semanal a ajuda a suportar um mundo cheio de gatilhos. A compulsão persiste, ela diz, mas está abafada. "Eu sei quando estou precisando da minha injeção porque fico um pouco ansiosa ou irritada ou meio estranha", diz.


Ciência emergente

Enquanto os medicamentos GLP-1 para perda de peso geram bilhões para empresas farmacêuticas, pesquisadores estão explorando seu potencial para outros propósitos. Ensaios clínicos já mostraram que a semaglutida, o ingrediente ativo do Ozempic e Wegovy, por exemplo, pode reduzir o risco de ataques cardíacos e tratar doenças hepáticas.


Esses medicamentos parecem reduzir a compulsão por comida porque imitam um hormônio natural que aumenta a produção de insulina, reduz o apetite e retarda o esvaziamento do estômago para criar uma sensação de saciedade. A tirzepatida, o ingrediente ativo do Zepbound, imita o hormônio que aumenta a liberação de insulina e amplifica a supressão do apetite.


O mecanismo de como o GLP-1 também poderia reduzir a compulsão por álcool e drogas não é totalmente compreendido. O medicamento pode bloquear a liberação de dopamina —associada ao reforço de atividades prazerosas—, diz Kyle Simmons, professor de farmacologia e fisiologia na Universidade Estadual de Oklahoma.


O potencial trouxe uma onda de pesquisas que tentam responder se esses medicamentos podem ajudar veteranos com problemas de consumo de álcool, pacientes diabéticos que fumam e pessoas viciadas em opioides, por exemplo.


Estudos apoiados pelo governo dos Estados Unidos mostram que o uso de GLP-1 em alguns pacientes com diabetes ou obesidade está associado a riscos mais baixos de abuso de álcool, transtorno por uso de cannabis e overdoses de opioides.


De acordo com estudo publicado em fevereiro no periódico Jama Psychiatry, pesquisadores descobriram que pessoas com problemas com o álcool que receberam uma injeção semanal de semaglutida beberam menos e tiveram menos compulsão por bebida e cigarro, na comparação com aqueles que receberam placebo.


Uma porta-voz da Eli Lilly, fabricante do Zepbound, diz que a empresa está considerando ensaios clínicos para avaliar o uso do medicamento no tratamento de transtornos por uso de substâncias, incluindo álcool e tabaco. A Novo Nordisk, fabricante do Wegovy e do Ozempic, recusou-se a dizer se planeja estudar a eficácia dos medicamentos contra a dependência.


Faltam tratamentos para combater a dependência

O uso de GLP-1 para fins não aprovados está aumentando, incluindo microdosagem para promover longevidade e bem-estar, apesar de poucas evidências quanto ao uso em doses mais baixas. Pesquisadores também alertam que o uso a longo prazo dos medicamentos —que podem causar efeitos colaterais estomacais desagradáveis— permanece pouco estudado.


Ainda assim, se o GLP-1 provar ser eficaz na redução da compulsão por diferentes substâncias, isso "realmente abre toda uma nova avenida terapêutica que não estava disponível antes", dizJoji Suzuki, pesquisador de dependência no Hospital Brigham and Women's em Boston.


Não existem medicamentos aprovados para reduzir a compulsão por outras substâncias, incluindo cannabis, cocaína ou metanfetamina. Para dependência de opioides, medicamentos como buprenorfina ou metadona são considerados eficazes para evitar a abstinência e a compulsão, mas carregam estigma.


Embora a FDA (agência reguladora de saúde dos EUA) tenha aprovado três medicamentos para reduzir o consumo de álcool, apenas 2% a 4% das pessoas com transtorno por abuso de álcool recebem qualquer tratamento medicamentoso, diz Lisa Clemans-Cope, pesquisadora do Urban Institute.


Pesquisas iniciais e evidências anedóticas foram suficientes para Steven Klein, médico especializado em dependência, começar a prescrever GLP-1 para seus pacientes.


Para Klein, que é um alcoólatra em recuperaçã, o projeto é mais do que uma curiosidade profissional. Há três anos o médico recebeu prescrição do Mounjaro para perda de peso e descobriu que o medicamento acalmava sua mente.


Movido por sua experiência, Klein lidera um programa piloto que prescreveu GLP-1 para mais de 130 pacientes na Pensilvânia e no sul da Flórida, a maioria com diagnóstico de transtorno por uso de álcool.


David Ovalle
The Washington Post

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