terça-feira, 21 de junho de 2022

Um apelo das cervejarias alemãs: tragam suas garrafas vazias

 

                                             Foto New York Times


Stefan Fritsche, que dirige uma cervejaria alemã centenária em Neuzelle, perto da fronteira com a Polônia, viu sua conta de gás natural saltar 400 por cento no último ano. A de luz aumentou 300 por cento. E está pagando mais do que nunca pela cevada.



Mas a inflação crescente no preço da energia e dos grãos com a guerra da Ucrânia não é páreo para o maior desafio enfrentado pela cervejaria de Fritsche, a Klosterbrauerei Neuzelle, e por outras em toda a Alemanha: a severa escassez de garrafas. "O problema é sem precedentes. O preço das garrafas explodiu", informou Fritsche.


A questão não é tanto a falta de vasilhames. As cerca de 1.500 cervejarias alemãs têm até quatro bilhões de garrafas de vidro retornáveis em circulação – cerca de 48 para cada homem, mulher e criança. O cliente paga uma taxa de oito centavos de euro em cada vasilhame e recebe o dinheiro de volta quando ele é devolvido.


Embora o sistema de garrafas retornáveis seja ecologicamente amigável e se encaixe na obsessão dos alemães pela reciclagem, apresenta um grande problema: fazer com que as pessoas as tragam de volta. Carregar uma caixa – ou várias – de garrafas de vidro vazias até uma loja pode ser um incômodo, mesmo que isso signifique recuperar a taxa de depósito. Assim, as pessoas tendem a deixá-las empilhadas no porão de casa ou na varanda do apartamento, esperando até que não tenham mais espaço ou que precisem de alguns trocados.


"É uma situação mortal para as pequenas cervejarias", disse Fritsche. A cervejaria que ele dirige vende 80 por cento de sua cerveja em garrafas. (Em 2003, uma lei de reciclagem foi ampliada para se concentrar na redução do desperdício na indústria de bebidas, o que significa que a maior parte da cerveja vendida para o mercado interno vem em vasilhames recicláveis, não em latas.)


Holger Eichele, que lidera a associação nacional de cervejeiros, foi ao rádio e às mídias sociais nas últimas semanas para pedir aos alemães que devolvam as garrafas vazias. Os fabricantes de cerveja não querem ficar sem vasilhames agora que o verão se aproxima, quando o clima quente, os churrascos no quintal e os festivais impulsionam as vendas.


A guerra na Ucrânia agravou o problema, dificultando e encarecendo para as cervejarias a compra de novas garrafas para compensar o déficit.


Os cervejeiros compram vidro de vários países da Europa, mas a guerra fez com que fábricas de vidro na Ucrânia – anteriormente uma importante fornecedora – parassem de operar. As sanções cortaram as cadeias de fornecimento da Rússia e de Belarus.


O preço das garrafas produzidas em outros lugares, incluindo a República Tcheca, a França ou mesmo a Alemanha, atingiu níveis recordes de 15 a 20 centavos de euro cada, porque a fabricação de vidro envolve grandes níveis de calor, e o preço da energia subiu. As cervejarias sem contratos de fornecimento de longo prazo estão vendo um aumento de preços de mais de 80 por cento nas novas garrafas de vidro, segundo a Associação Alemã de Cervejeiros.


Um artigo recente no jornal de maior circulação da Alemanha, o "Bild", informou que a Alemanha está ficando sem garrafas de cerveja, espalhando apreensão pelo país e levando Eichele a lançar mão de um controle de danos para evitar as compras descontroladas: "Não vemos nenhum perigo de que a produção de cerveja tenha de ser reduzida. Para ser bem claro, o suprimento aos consumidores está seguro."


Ainda assim, a indústria enfrenta uma ampla variedade de problemas, incluindo a escassez de caminhoneiros e os altos custos do combustível. "Está ficando cada vez mais difícil para as cervejarias e para o comércio de bebidas manter a cadeia de suprimentos", lamentou Eichele.


O preço do papel da etiqueta e de outras matérias-primas também aumentou. O custo de cada palete de madeira que é preenchido com caixas de cerveja para carga e descarga com empilhadeiras aumentou de 17 euros para cerca de 25 euros, de acordo com Ulrich Biene, porta-voz da Veltins, uma das maiores cervejarias do país: "Toda a estrutura de preços está fora de controle."


Como resultado, a Veltins elevou o preço que cobra por uma caixa de 20 garrafas – a maneira mais comum de vender cerveja em lojas e supermercados alemães – em um euro, chegando a até quase 19,50 euros, o primeiro aumento em três anos. A maior cervejaria do país, a Radeberger Gruppe, que é dona das cervejas Radeberger e Schöfferhofer, também aumentou em cerca de seis por cento os preços recentemente, para 8,50 euros por hectolitro. Isso se traduz em consumidores que pagam entre 32 e 63 centavos de euro a mais por caixa.


Para incentivar mais pessoas a retornar as garrafas, Fritsche aventou a ideia de quase dobrar o depósito que os clientes pagam pelos vasilhames, para 15 centavos de euro. Mas as maiores cervejarias argumentam que aumentar o preço do depósito não é a solução, porque há muitas garrafas em circulação e o processo seria complicado.


Fritsche manteve os preços das cervejas Klosterbrauerei Neuzelle estáveis até agora, mas acredita que terá de aumentar o preço este ano, como tantos outros produtores na Alemanha, talvez em até 30 por cento. A inflação alemã subiu pelo quinto mês consecutivo em maio, atingindo 8,7 por cento em relação ao ano anterior.


Os alemães já estão sofrendo com a inflação recorde. As vendas no varejo de alimentos e bebidas em abril caíram 7,7 por cento em relação a março – a maior queda mensal desde 1994 –, e pedir aos clientes que paguem mais para cobrir o custo de suas garrafas não seria justo, segundo Biene, da Veltins. Em vez disso, sua cervejaria está encorajando os clientes a limpar o porão, a varanda e a garagem, e a levar seus vasilhames de volta para que sejam lavados, reabastecidos e devolvidos à circulação. De aproximadamente um milhão de caixas de 20 garrafas que a Veltins possui, apenas algo em torno de quatro por cento estão na cervejaria. "Se as pessoas forem viajar e deixarem as garrafas vazias empilhadas na garagem, podemos ter problemas. Cada caixa vazia que recebemos de volta evita que compremos uma nova", afirmou Biene.


A Alemanha ficou em quinto lugar no ranking mundial de consumo per capita de cerveja em 2020, de acordo com uma pesquisa anual da Kirin, a cervejaria japonesa. (Os Estados Unidos ocupam o 17º lugar.) Mas, no geral, os alemães estão diminuindo o consumo. Desde que o Escritório Federal de Estatísticas começou a manter registros em 1993 – um ano depois que a família de Fritsche assumiu a cervejaria em Neuzelle –, o consumo nacional de cerveja caiu quase 24 por cento, com as pessoas tendendo ao consumo mais diversificado de bebidas.


Os lockdowns do coronavírus nos últimos dois anos também contribuíram para a tendência, uma vez que os bares permaneceram fechados e os eventos esportivos e culturais foram cancelados.


A situação difícil amplia ainda mais a importância da gestão das cervejarias. Fritsche disse que, durante décadas, se baseou em uma combinação de tradição e criatividade, e que a vontade de ultrapassar os limites e de ser inovador é essencial para sobreviver em um ambiente de negócios mais difícil. Por exemplo, a cervejaria tem uma garrafa de seu produto mais famoso, a Schwarzer Abt, que foi abençoada pelo papa Francisco. A garrafa é agora mergulhada em cada lote fresco da Schwarzer Abt.


O que ajuda, também, é ter uma longa visão da história, que acompanha a gestão de um negócio fundado em 1589, com os eventos que testemunhou e enfrentou ao longo do tempo. "Nazistas, comunistas, aquisições do governo – no passado, tivemos de tudo aqui. E sobrevivemos. Vamos passar por isso também", garantiu Fritsche.


c. 2022 The New York Times Company

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