quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Moro se filia ao Podemos, ataca Bolsonaro e PT e defende Lava Jato em discurso de candidato

 

                                             Foto: ESTADÃO CONTEÚDO


Em seu discurso reconheceu a relevância de programas de transferência de renda e condenou o furo do teto de gastos.

FOLHAPRESS

O ex-juiz federal e ex-ministro Sergio Moro anunciou nesta quarta-feira (10) sua filiação ao Podemos, e, em um discurso com tom de candidato à Presidência, defendeu o legado da Lava Jato e atacou Jair Bolsonaro, de quem teria sofrido boicote, além do ex-presidente Lula, a quem condenou e prendeu, o retirando da corrida presidencial de 2018.


"Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha, chega de orçamento secreto. Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar o povo brasileiro", discursou Moro para um auditório com cerca de 700 pessoas.


Moro, que sempre repetiu que nunca entraria na política e cuja filiação serve para reavivar o lava-jatismo, dessa vez foi direto em assumir o figurino de político e candidato à Presidência.


"Esse não é um projeto pessoal de poder, mas sim um projeto de país. (...) Se, para tanto, for necessário assumir a liderança nesse projeto, meu nome sempre estará à disposição do povo brasileiro. Não fugirei dessa luta, embora saiba que será difícil."


Apesar de tentar passar a imagem de que sua candidatura não terá como foco único o combate à corrupção, a maior parte da fala do ex-juiz e as peças de publicidade apresentadas no evento seguem a linha de tentar recuperar a credibilidade da extinta operação.


Nessa linha, sugeriu a criação e uma corte nacional anticorrupção, a exemplo de outros países, e mirou a classe política, defendendo o fim do foro privilegiado e da reeleição.



O ex-juiz demonstrou certo nervosismo no início de seu discurso, lido em um teleprompter, e arrancou risos ao dizer que muitos criticam a sua voz. "Não sou bom para discursar, mas sou alguém em que vocês podem confiar."


Para além das questões de corrupção, o ex-ministro de Bolsonaro esboçou algumas propostas: criticou a gestão da pandemia, defendeu liberalismo na economia, com privatizações de estatais ineficientes, expansão do ensino integral, mas também abordou questões caras à esquerda, como a pobreza e o meio ambiente.


O ex-juiz propôs, por exemplo, em analogia à Lava Jato, a sua primeira "operação especial", a criação de uma "Força-Tarefa de Erradicação da Pobreza".


Ao mesmo tempo em que reconheceu a relevância de programas de transferência de renda, condenou o furo do teto de gastos.


"Mesmo quando se quer uma coisa boa, como esse aumento do Auxílio-Brasil ou do Bolsa-Família, que são importantes para combater a pobreza, vem alguma coisa ruim junto, como o calote de dívidas, o furo no teto de gastos e o aumento de recursos para outras coisas que não são prioridades."


Moro também falou em bandeiras do bolsonarismo, pregando ser preciso "proteger a família brasileira" contra a violência, a desagregação e as drogas, e defendeu a valorização dos militares. "As Forças Armadas pertencem ao povo brasileiro, não ao governo."


 

Visto como incógnita por partidos, ele defendeu ainda o livre mercado, a reforma do "nosso sistema confuso de impostos", a privatização de "estatais ineficientes".


Também em contraposição a palavras e ações de Bolsonaro e Lula, defendeu o trabalho dos jornalistas e disse que jamais tentará impor controle sobre a imprensa -apesar de não ter se manifestado sobre isso nos inúmeros episódios de ataque à imprensa profissional durante sua participação no governo Bolsonaro.


Moro fez questão de dizer que só saiu do governo por ter sofrido nas ações do Ministério da Justiça, o qual comadava.


"Queria combater a corrupção, mas, para isso, eu precisava do apoio do governo e esse apoio me foi negado", disse. "Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa."


A fala de Moro foi precedida por um vídeo profissional, com tom de campanha, no qual o ex-ministro aparece andando em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal) com uma faixa escrito "justiça" e com foco na sua atuação na Lava Jato.


"Moro quer escrever uma história que todos queremos, um país que quer caminhar com justiça, ter escola em universidade, de ter um teto para morar. Justiça para este homem não é luz no fim do túnel", disse o narrador do vídeo.


 

Neste ano, o STF considerou Moro parcial nos processos em que atuou como juiz federal contra Lula. Com isso, foram anuladas ações dos casos tríplex, sítio de Atibaia e Instituto Lula pela Lava Jato.


Diferentes pontos levantados pela defesa do petista levaram à declaração de parcialidade, como condução coercitiva sem prévia intimação para oitiva, interceptações telefônicas do ex-presidente, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas e divulgação de grampos.


A ida para uma cadeira no ministério de Bolsonaro também pesou, assim como os diálogos entre integrantes da Lava Jato obtidos pelo site The Intercept Brasil, que expuseram a proximidade entre o juiz e os procuradores da Lava Jato.


Em resumo, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.


O ex-magistrado sempre repetiu que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, ainda que fossem verdadeiras, não contêm ilegalidades.


O evento foi realizado no centro de convenções Ulysses Guimarães e foi marcado por certa desorganização, atraso e ausência de atores políticos relevantes.

Presidentes dos principais partidos de centro e centro-direita, por exemplo, não compareceram. PSDB e MDB enviaram representantes.


 

Entre as figuras de mais destaque, estavam o pré-candidato à Presidência Luiz Henrique Mandetta (DEM), o general Santos Cruz -ex-aliado de Bolsonaro e hoje desafeto-, líderes do Movimento Brasil Livre -os deputados federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e estadual Arthur do Val (Patriota-SP)-, os deputados federais Joice Hasselman (PSDB-SP), Marcel van Hattem (Novo-RS) e Luís Miranda (DEM-DF), além do empresário Paulo Marinho (PSDB), que atuou na campanha de Bolsonaro em 2018 e hoje também está rompido.


"Vim prestigiar, importante a presença do ex-ministro nesse cenário de eleição. Ele traz a mensagem de combate à corrupção, deixada de lado pelo capitão [Bolsonaro]", disse Marinho, que ponderou, entretanto, que seu candidato a presidente é o governador João Doria (PSDB-SP).


"Está todo mundo colocando os cavalinhos na pista, vamos ver quem vai se destacar mais", afirmou Arthur do Val. Miranda disse que Moro é o seu candidato.


Santos Cruz disse que deve se filiar também ao Podemos no futuro e que ainda não sabe se sairá candidato a algum cargo. Mas pregou a necessidade de rompimento da polarização eleitoral entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro, que caminha para se filiar ao PL.


"Continuar qualquer um dos dois é continuar com os mensalões, orçamentos secretos e shows na avenida paulista", afirmou.


 

Da equipe que participou da Lava Jato, compareceu o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima, hoje advogado e consultor em compliance. Deltan Dallagnol, coordenador da operação e que anunciou sua saída do Ministério Público no último dia 4, não foi visto.


Até entre integrantes do Podemos, Moro terá que vencer obstáculos. O deputado federal Bacelar (BA), da base de apoio do governo do PT na Bahia, que compareceu ao evento, disse que ainda é cedo para falar em candidatura presidencial do partido, mas que seguirá a orientação da legenda.


Falaram antes de Moro o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), candidato à Presidência do partido em 2018 (ficou na nona colocação), e a presidente do Podemos, Renata Abreu.


"Os barões da corrupção querem sequestrar a narrativa dizendo que o Moro julgou por interesses políticos. nao venham dizer que Sergio Moro julgou por interesses políticos. Julgou pelo país, pela democracia, julgou e condenou aqueles que roubaram nao apenas os recursos públicos, mas os sonhos e esperanças de vida melhor do povo brasileiro", discursou o senador.


"A mudança do nosso país depende de cada um de nós. Não adianta mais votar no rouba, mas faz, no poulismo barato", discursou Renata.


 

A filiação de Moro ao Podemos representa a formalização do pontapé inicial de uma possível candidatura presidencial e mais um degrau de sua migração do mundo jurídico para a política -trajetória que, segundo seus inúmeros críticos, começou ainda sob a toga de juiz.


Moro foi o responsável pelo julgamento dos casos da Lava Jato na 13ª Vara de Curitiba, incluindo a condenação que acabaria por levar à prisão e barrar a candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).


Pouco mais de um ano após essa decisão, Moro aderiu formalmente ao grupo que derrotou o PT na disputa eleitoral, trocando a magistratura pelo Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro.


A aceitação do convite foi tornada pública no dia 1º de novembro de 2018, apenas quatro dias depois da vitória eleitoral do futuro chefe.


Em entrevista dias após aceitar o convite, Moro rebateu as críticas dizendo não pautar sua vida com base na "fantasia" de que perseguiu Lula politicamente.


"Sei que alguns eventualmente interpretaram a minha ida como uma espécie de recompensa. É algo absolutamente equivocado, porque minha decisão [que condenou Lula] foi tomada em 2017, sem qualquer perspectiva de que o então deputado federal [Bolsonaro] fosse eleito presidente da República."


O ex-xerife da Lava Jato assumiu a nova função com fama de superministro indemissível, mas com o decorrer do tempo acumulou recuos e derrotas.


Seu pacote de mudanças na legislação com o objetivo declarado de coibir a corrupção e o crime, por exemplo, foi desfigurado pelo Congresso, com o aval de Bolsonaro. Ao sancionar a lei, o presidente ignorou a maioria dos pedidos de veto de Moro.


O Em Frente Brasil, programa de tentativa de redução da criminalidade que pretendia tornar bandeira de sua passagem pelo ministério, acabou em fracasso.

Após um processo de desgaste contínuo, o ex-juiz acabou pedindo demissão em abril de 2020, em meio a acusações de que Bolsonaro tentava interferir indevidamente na Polícia Federal.


No final de 2020 a empresa de consultoria global de gestão de empresas Alvarez & Marsal, administradora judicial do processo de recuperação do Grupo Odebrecht, um dos principais alvos da Lava Jato, anunciou a contratação do ex-juiz como sócio-diretor para atuar na área de disputas e investigações.


​Na última vez em que teve seu nome testado pelo Datafolha, em maio, o ex-juiz atingiu 7% de intenções de voto para presidente. Lula tinha 41% e Bolsonaro, 23%.

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