sábado, 24 de outubro de 2020

Mais uma vez, a comida aparece como vilã e pressiona inflação até o fim do ano, dizem analistas

 


Estadão Conteúdo
                                              Valdenir Rezende/ Arquivo CE   

Pelo menos até o final do ano, o brasileiro vai ter de conviver com a alta dos preços dos alimentos básicos, como arroz, carnes, óleo de soja e feijão. 


Dólar em alta, oferta ainda escassa desses produtos por causa da entressafra e o auxílio emergencial, mesmo pela metade, garantindo o consumo dos mais pobres, são fatores apontados por economistas e varejistas para que os preços dos alimentos continuem subindo.


Mais uma vez, a comida apareceu como vilã: em outubro, a inflação ao consumidor subiu 0,94%, pela prévia do índice oficial, o IPCA-15, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 


Foi a maior alta do indicador para o mês desde 1995 e o resultado ficou acima do esperado pelo mercado. Alimentos e bebidas ficaram 2,24% mais caros e responderam por 50% da alta.


A inflação de supermercados, onde estão concentradas as vendas sobretudo de alimentos, confirma a pressão. Em setembro, a inflação dos supermercados no Estado de São Paulo, apurada pela Fipe, atingiu 2,2%. 


Foi a maior variação para o mês em 26 anos e equivale ao acumulado no passado até setembro, segundo a Associação Paulista de Supermercados (Apas).


Tanto no IPCA-15 como no índice dos supermercados, óleo de soja, arroz e carnes lideraram os aumentos, com altas de 22,34%, 18,48% e 4,83%, respectivamente na prévia da inflação deste mês. 


"Achamos que no caso dos grãos o cenário não deve mudar até o início de 2021, para quando está previsto aumento da safra", diz o presidente da Apas, Ronaldo dos Santos.


André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz acreditar que não há no radar indicações de que os preços da carne, do arroz e do feijão vão recuar. 


"Há chance de esses produtos subirem mais até o final do ano e melhora só em 2021 com novas safras e a expectativas, quem sabe, de uma taxa de câmbio menor." 


As primeiras prévias de outubro indicam que os alimentos continuam subindo cerca de 2% este mês. No ano, a alta dos alimento chega beira 10%.


"A produção de alimentos demora a ser ajustada, é diferente da manufatura", observa Fabio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio. Esse seria, na sua avaliação, outro fator que indica que a inflação deverá continuar subindo acima do índice geral de inflação até dezembro. 


"Vamos ter picos nos alimentos, mas não vejo sustentabilidade por falta de demanda mesmo."


Omar Assaf, diretor da Apas, diz que as vendas em geral nos dois últimos meses desaceleraram nos supermercados. "O bolso do consumidor vai limitar essa tendência de alta", diz.


Efeitos


Fábio Romão, economista da LCA Consultores, ressalta que boa parte do repasse de preços do atacado para o varejo ainda está por vir. 


"A alta de preços está mais espalhada e chegando a outros itens, além dos alimentos. Com a pandemia, muitos produtores pisaram no freio e a demanda por itens para o domicílio subiu com o auxílio emergencial."


"A inflação de alimentos tem implicações importantes, pega as camadas mais populares, justamente em um momento de redução do valor do auxílio emergencial, é um impacto muito difícil", avalia a consultora econômica Zeina Latif. 


Segundo ela, há também um efeito macroeconômico que deve ser monitorado: os preços de alimentos, por terem muita visibilidade, contaminam outros preços.


"É difícil para as empresas não repassarem preços e é preciso acompanhar o comportamento da inflação e as estratégias do Banco Central podem ter de mudar. Também acende um alerta para a discussão da questão fiscal", diz ela.


Para o ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, José Júlio Senna, o aumento da dívida pública é a questão que mais preocupa para o ano que vem. 


"Não é possível prever o momento em que o desequilíbrio fiscal detonaria as expectativas de um retorno da inflação, mas sem uma política fiscal, não existe uma política monetária viável." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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