segunda-feira, 8 de abril de 2019

Filme : A FAMÍLIA SUBMERSA

Cine Web

A atriz argentina María Alche, que interpretou a personagem-título em A Menina Santa, de Lucrécia Martel, estreia na direção com o drama Família Submersa, um filme que não nega suas influências da renomada cineasta com quem a jovem trabalhou – sente-se aqui, especialmente, o peso de O Pântano, resultando num filme mais “marteliano” do que o próprio Zama, que Martel lançou no ano passado.

O longa começa com uma imagem coberta por uma cortina que, aos poucos, será removida, retirando o véu de um drama familiar no qual realidade e fantasia se confundem no luto de uma mulher de classe média que perdeu a irmã. Mercedes Morán – uma das protagonistas de O Pântano e mãe da personagem de Alche em A menina santa – é Marcela que, quando o marido (Marcello Subiotto) viaja, deixa-se levar por sua imaginação e fantasia diálogos com parentes que já morreram. Cada vez mais distante da realidade, Marcela começa um caso com Nacho (Esteban Bigliardi), cujos planos de se mudar para Porto Rico acabaram frustrados.

Mas o filme, também roteirizado pela diretora, não se concentra apenas nessa personagem, investigando as vidas de suas duas filhas e filho – todos na transição entre a adolescência e a vida adulta, cada um num nível diferente de dependência da mãe. Marcela é sugada, mesmo que de maneira delicada, pela família. Sua vida própria parece esvair-se cada vez mais diante das necessidades deles. Por isso, o romance com Nacho é uma forma de rebelião. O filme, felizmente, não faz estardalhaço desse caso. Alche lida com a questão de maneira sutil, quase banal.

A vida interior das personagens ganha tons pastel, em alguns momentos pertinentemente quase oníricos, outros algo encobertos (daí o título), nas mãos da veterana diretora de fotografia francesa Hélène Louvart, que já trabalhou com Wim Wenders (Pina), Alice Rohrwacher (As maravilhas), Nicolas Klotz (Low life) e o brasileiro Karim Aïnouz (no inédito A vida invisível), entre outros. As imagens carregam algo de fantasmagórico, que consome a protagonista, uma mulher de classe média de Buenos Aires, numa claustrofobia asfixiante. Já a montagem da brasileira Lívia Serpa (Benzinho, Linha de passe, Santiago) é construída na acumulação de momentos e experiências de Marcela, o centro de consciência do filme.

Perto do final, uma personagem pergunta à outra: “Como está tudo?”. “Volátil e misterioso”, responde. Não poderia haver melhor elucidação para o filme. Em seu primeiro longa, Alche fez uma obra volátil e misteriosa que fala muito da condição e do papel da mulher numa sociedade tão patriarcal quanto a latina. Uma estreia promissora.
Alysson Oliveira

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