Arrecadar R$ 13 mil com venda de bolos de pote e viajar de ônibus durante dez dias estão entre os grandes feitos de torcedores de Flamengo e Palmeiras para assistirem à final da Libertadores neste sábado
Não há comprovações de que a fé mova montanhas, mas é possível confirmar que a esperança de ver de perto o primeiro brasileiro tetracampeão das Américas moveu milhares de torcedores do Palmeiras e do Flamengo em direção a Lima, no Peru, palco da final da Libertadores neste sábado. Na expectativa pela vitória, rubro-negros e alviverdes já estão chegando à cidade peruana, levando consigo boas histórias e, em alguns casos, até driblando perrengues e superando desafios pela busca da Glória Eterna.
Foi vendendo bolo de pote durante 15 dias que Arthur Agnelo e Carol Goullart arrecadaram R$ 13 mil para custear o sonho da ida à final da Libertadores. A corrida contra o tempo começou depois que o influenciador de 30 anos levou um golpe de uma patrocinadora que não realizou o pagamento prometido para bancar a viagem. Sem os recursos, Agnelo estava prestes a desistir da ida a Lima. Até que, numa noite, antes de dormir, pulou da cama e disse à esposa: “amor, vamos vender brigadeiro”.
Carol, esteticista de 29 anos, embarcou na ideia — mas concluiu que o bolo de pote poderia trazer um retorno mais rápido. E assim, juntos, mergulharam na produção para transformar o prejuízo em oportunidade e garantir presença na decisão continental.
— Fui mandada embora do meu trabalho de carteira assinada. Mas, no fim das contas, tudo calhou para dar certo. Se não fosse isso, eu não teria tempo suficiente para conseguir produzir tudo o que produzimos. Desde o início, a ideia também era mostrar isso na internet, como uma forma de talvez chegar a algum patrocinador, porque achávamos que seria muito difícil conseguir vender o suficiente para levantar esse dinheiro. E isso no início pensando só em ele viajar, já que é o trabalho dele, especificamente. E já seria um feito conseguir levantar o dinheiro para isso. No fim das contas, deu tudo certo porque viralizou, houve muita procura e as vendas foram muito maiores do que a gente imaginou. Assim, conseguimos o dinheiro para virem os dois — contou Goullart.
Com mais de 53 mil seguidores, Arthur lançou uma campanha em suas redes sociais, engajando o seu público a comprar os doces feitos em parceria com a esposa. Foram cinco sabores, e a meta inicial era vender 100 bolos por dia, no valor de R$ 15, para bancar a viagem dele. As mercadorias começaram a ser divulgadas pelos perfis dos cariocas, porém, o sucesso foi tanto que abriram até uma loja e conseguiram que Carol também embarcasse para o Peru
Os nossos seguidores fizeram a Carol vir também. Foi um sonho realizado em conjunto com os seguidores, que pediram tanto a vinda da minha esposa, protagonista da produção de bolos. Sem ela, eu não conseguiria ter feito nada. A galera viu o quanto ela trabalhou e pediu tanto para ela vir e deu tudo certo no fim — contou Arthur, que já se encontra em Lima junto com Carol.
Não foi só o casal que precisou correr contra o tempo para consegui ver de perto o seu time disputar o título das Américas. Com tudo certo para ir ao Monumental desde outubro, Thais Quintanilha teve a sua hospedagem cancelada pelo hotel faltando menos de 15 dias para a sua viagem.
— Fiquei desesperada quando vi que cancelaram a minha hospedagem. Reservei antes justamente para evitar perrengues, porque sabia que a cidade ficaria lotada e haveria poucas opções. Fiquei muito ansiosa para resolver tudo rápido. Eles cancelaram minha reserva no dia 15, um sábado, bem no dia da festa de aniversário da minha mãe. Depois, o mesmo hotel voltou a aparecer no site, eu reservei de novo, e, na segunda-feira, eles entraram em contato dizendo que não estava mais disponível. Acho que foi um pouco de má-fé do hotel, porque eu havia reservado lá no dia 21 de outubro. Como assim o quarto não estava disponível? — desabafou a especialista em tecnologia da informação, de 32 anos.
Apesar do grande imprevisto, Thais, junto de um amigo que a acompanha na viagem, conseguiu buscar uma nova estadia e salvar o seu sonho de ver de perto, pela primeira vez, o Palmeiras disputando a Glória Eterna.
— Tivemos que correr atrás de outro local para ficar, e foi um baita nervoso. Faltavam pouquíssimos dias para a viagem e já estava quase tudo reservado. Eu passei um dia inteiro procurando opções até achar um outro local; foi um pequeno estresse. Mas, no fim, deu tudo certo! A gente acabou conseguindo um lugar bem bacana, um pouquinho mais afastado dos lugares onde a gente queria ficar, mas tudo bem — disse Quintanilha.
Nas estradas rumo à Glória Eterna
— Sair de Guajará, no interior do Amazonas, até a final da Libertadores, em Lima, é uma prova de amor ao Palmeiras que desafiou a geografia e as finanças — disse Eliton Silva, gestor público de 40 anos, que está, desde domingo passado (23), em uma verdadeira odisseia pelo Palmeiras, com muitos dias de estrada e diversos meios de transporte, de moto a avião, até a chegada ao destino final.
— A paixão pelo Palmeiras moveu fronteiras. Eu moro no interior do Amazonas — distante da capital Manaus aproximadamente 1.100 km em linha reta, na divisa com o Acre. E tudo começou no domingo, dia 23. Às 4h30 da manhã, saí de casa de moto até Cruzeiro do Sul (AC). De lá, foram mais 640 km de carro até Rio Branco, capital do Acre. A odisseia terrestre continuou no dia seguinte, em uma maratona de táxis que me levou de Rio Branco a Brasiléia, depois a Assis Brasil, cruzando a fronteira para Iñapari, no Peru, e, finalmente, chegando a Puerto Maldonado. No mesmo dia, às 19h, embarquei em um ônibus para uma viagem noturna até Cusco, chegando às 5h da manhã seguinte. Em Cusco, onde já tinha passagens aéreas compradas, viabilizadas por empréstimos, aguardei o voo final para a capital peruana — descreveu Silva sobre a sua grande saga até a disputa pelo tetracampeonato.
Eliton afirmou que a viagem foi “com a cara e com a coragem” e recorreu a empréstimos e à ajuda de amigos para cobrir despesas de deslocamento e alimentação, já que seu salário ainda não havia sido pago. Realizar o desejo de ver de perto, pela primeira vez, o alviverde brigando por mais um título continental contou com uma força-tarefa de entes queridos e das amizades que fez pelo caminho.
— Apesar dos percalços, a fé na “Glória Eterna” e a camaradagem da torcida prevaleceram. Durante o trajeto, fiz amizades com outros palmeirenses e, após esquecer a minha camisa em casa, ganhei duas de presente dos “brothers” Denis e Roger — finalizou o servidor público.
O time carioca também levou torcedores a se aventurarem nas estradas rumo a Lima. Yasmin Marra, de 32 anos, está encarando uma viagem de dez dias, contando ida e volta, para ver o Flamengo no Monumental. A comunicadora está indo do Rio de Janeiro até o Peru de ônibus, em uma caravana da torcida organizada da qual faz parte, e considera que viverá um dos grandes momentos de sua vida.
— Acompanhei as fases ruins do Flamengo até chegar na fase que temos de 2019 para cá. A Yasmin de 15 anos jamais imaginaria que veria quatro finais de Libertadores, a alguns dias de talvez presenciar o quarto título. Então, este ano, vi a oportunidade de viver um sonho que não pude nos outros anos. Além da oportunidade, acredito que estou indo presenciar o que pode ser o maior jogo da história do Flamengo, diante da rivalidade e podendo ser o primeiro brasileiro tetra da competição — relatou a torcedora.
Amor que vem de berço
Lucas Araújo aprendeu a ser flamenguista com o seu pai, Jorge Araújo, que o levava aos jogos do rubro-negro desde a infância e construiu com o jovem uma relação entrelaçada pelos momentos nas arquibancadas. Com um amor pelo time que veio de berço, Lucas foi às três últimas finais de Libertadores disputadas pelo Flamengo (2019, 2021 e 2022), mas Jorge nunca havia vivido essa experiência — nem sequer saído do país — até o filho decidir preparar uma surpresa:
— Ele foi a todos os jogos da Libertadores aqui no Brasil, mas não sabia que iria para a final. Eu fiz uma surpresa para ele e ele não acreditou. Até tentei gravar para ver se saía algo legal, mas foi tão inacreditável para ele que simplesmente saiu andando, sem reação. Agora a ansiedade está mil! A ficha caiu, e ele não para de falar disso. Meu pai nunca saiu do Brasil, nunca foi a um jogo internacional. Aí estou levando ele de presente nessa viagem — contou Lucas.
— O que me motivou a ir para a final é poder viver, pelo menos uma vez na vida, a emoção de ver o meu time jogar uma final de Libertadores ao vivo e representar, sobretudo, o meu pai, que não vai poder ir devido a um compromisso do qual ele não pode faltar. Além de tudo, o Palmeiras traz muitas felicidades e alegrias para a minha vida, então, se o título vier, vai ser muito especial ter feito parte disso no estádio, junto com a torcida, cantando e empurrando o time para o título — concluiu Brenda.