Consumo de bebida alcoólica por diabéticos quase dobrou no último ano no Brasil. Quem tem o tipo 1 da doença precisa focar nos cuidados para garantir o controle glicêmico
Giovanna Fischborn
O consumo de bebida alcoólica em diversas partes do mundo aumentou durante a pandemia — e vinha crescendo mesmo antes dela. Vários estudos, entre eles uma pesquisa publicada pela Organização Pan-Americana da Saúde, revelam que a bebida é usada, sobretudo, para aliviar o estresse do dia a dia.
Apesar das recomendações em relação à dieta e ao estilo de vida, os diabéticos também beberam mais nesse período. O tema foi um dos pontos discutidos no 4º Workshop de Mídia da ADJ Diabetes Brasil. Especialistas explicam o que pode acontecer com excessos e sugerem estratégias para esses grupos no caso de ingestão de álcool.
“Eu costumava beber duas ou três taças de vinho por semana. No isolamento, de uma taça, quase todos os dias, aumentava para duas ou três.” Pode ser que muita gente se identifique com o relato de Bianca Fiori, 44 anos, jornalista.
Bianca Fiori aumentou a ingestão de álcool durante o isolamento: ajuda de endocrinologista para reduzir o consumo
Bianca Fiori aumentou a ingestão de álcool durante o isolamento: ajuda de endocrinologista para reduzir o consumo
(foto: Arquivo Pessoal)
Diagnosticada com diabetes tipo 1 há 27 anos, ela considera ter certo controle da doença. Mesmo assim, passou a sentir muito desconforto quando bebia mais do que o de costume. Essa reação, somada ao quadro de doença celíaca, funcionou como alerta. Bianca conta que depois de dois meses bebendo a mais, decidiu cortar o álcool por um mês. Agora, toma, no máximo, uma cerveja no fim de semana, sempre acompanhada de comida, para não deixar a barriga vazia e passar mal.
A doutora em endocrinologia Karla Melo é autora do estudo que aponta o aumento de registros de consumo de álcool, feitos por diabéticos no aplicativo Glic, usado para controle de glicemia. A análise do ano de 2019 em relação a 2020, a partir de março, mostrou aumento de 1,84 vezes. O padrão do binge drinking — beber quatro doses e meia ou mais em duas horas, para mulheres, e cinco doses e meia ou mais no mesmo intervalo para homens — também cresceu.
Efeitos
Para muitos, o álcool provocou um quadro de emergência de hipoglicemia, que é quando a glicose está abaixo de 70mg/dL. Alguns dos sintomas incluem agitação, tremor, taquicardia e comportamento estranho. A médica explica que, dependendo do nível de embriaguez, pode ficar mais difícil identificar os sintomas da hipoglicemia, o que piora o caso. Segundo a endocrinologista, a associação do álcool com o diabetes, ainda assim, carece de mais informação, tanto em termos de entendimento quanto de população estudada.
Coordenadora do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes, a nutricionista Silvia Cristina Ramos explica que o cenário de aumento do consumo de álcool parece ser mais perigoso em pacientes com diabetes tipo 1, como Bianca, e especialmente entre os que fazem uso intensivo de insulina. Nesse caso, com o álcool, há elevação da glicemia seguida por queda nos níveis de glicose, o que leva à hipoglicemia. Isso pode acontecer com a população em geral, mas, em tese, precisaria de grandes quantidades de álcool.
“O diabetes tipo 1 é mais sensível que os demais. O tipo 2 apresenta alguns mecanismos que impedem a queda da glicemia. No caso do diabetes gestacional, o consumo é completamente desencorajado, porque existe o risco do diabetes e de prejudicar a saúde do bebê”, explica.
No curto prazo, o consumo de álcool tende a tornar casos de hipoglicemia mais frequentes, o que dificulta o controle do quadro. “Podendo causar danos permanentes”, sinaliza a especialista. Com o tempo, a bebida aumenta o risco de obesidade. Essas informações preocupam, porque são condições que reforçam os diabéticos como grupo de risco para a covid-19, em que um paciente mal controlado tem evolução pior do que um bem controlado.
Recomendações
A Sociedade Brasileira de Diabetes não estimula o consumo, mas busca orientar essa população sobre a melhor forma de ingerir bebida alcoólica. Deve ser respeitada uma margem de segurança que considere idade, peso e estatura.
A recomendação geral é limitar a ingestão de um a dois drinques por dia para mulheres e de dois a três drinques por dia para homens. É preciso conciliar a comida com a bebida — pode-se beber um suco de laranja junto, que é rico em fibras e vitaminas — e ingerir algum alimento antes de dormir, se for beber à noite, para o controle da glicemia durante o sono. É importante, também, verificar o açúcar no sangue nas 24 horas após a ingestão, registrar e, se preciso, discutir com o médico a melhor estratégia.
O ambiente familiar pode ser grande aliado no controle dos bons hábitos em relação à bebida. Os familiares devem oferecer algo para comer e aconselhar ao diabético não ultrapassar dos limites.
Silvia ressalta outra máxima importante, independentemente do diabetes: “O álcool não pode compensar uma emoção ou sentimento, especialmente nesse período.”
Carol Freitas, 42 anos, relações-públicas, teve o diagnóstico de diabetes tipo 1 com um mês de idade. “Minha vida foi moldada pelo diagnóstico, desde muito cedo.” Carol conta que, adulta, passou a beber socialmente, sempre com acompanhamento médico. Bebia o equivalente a uma latinha de cerveja, comia antes e, depois, verificava a glicemia.
Por trabalhar na área de eventos, ela tinha uma vida social ativa antes do período de pandemia. Mas, em casa, ficou mais ociosa e começou a beber. “Quando vi, não me limitava mais aos fins de semana”, relata. Mesmo com alguns cuidados, Carol sentiu os efeitos do álcool na saúde, principalmente no desequilíbrio do controle da glicose. O resultado foi aumento de peso, vontade de comer desregulada e descontrole da glicemia.
Preocupados, os médicos puxaram a orelha e sugeriram controle no consumo e prática de atividade física. Desde então, Carol vem praticando treino funcional on-line e reduzindo as doses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário