Tereza Cristina avaliou que é preciso aprofundar o debate e o conhecimento da nova conjuntura internacional para que Brasil não perca volume em sua pauta de exportações.
Em audiência pública nesta quarta-feira, 24/09, especialistas, senadores e representantes do governo e de setores exportadores sobretaxados pelos Estados Unidos defenderam a adoção de uma estratégia multissetorial, com a participação técnica, diplomática, empresarial e também do Legislativo para buscar reverter as acusações e possíveis novas sanções americanas a partir da Seção 301.
Essa investigação comercial foi deflagrada pelos Estados Unidos alegando supostas práticas comerciais brasileiras consideradas desleais com o mercado americano. O debate foi feito a pedido da relatora da Comissão que foi aos Estados Unidos, senadora Tereza Cristina (PP-MS).
“Nós vamos discutir aqui hoje o tarifaço, as relações com os Estados Unidos, desdobramentos da Seção 301 que nos preocupa. E eu acho que esse assunto vai ficar na nossa mesa por muito tempo”, disse a senadora, ao abrir a audiência pública, presidida pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), Nelsinho Trad (PSD-MS).
“Temos agora não só novas relações com os Estados Unidos, União Europeia, Mercosul, tudo isso vem na esteira. O mundo, a geopolítica mundial e o comércio internacional mudaram”, reforçou Tereza Cristina. Ela avaliou ainda que é preciso aprofundar o debate e o conhecimento dessa nova conjuntura, além de estudar possibilidades para a diversificação de mercados, a fim de que o Brasil não perca volume em sua pauta de exportações.
Os debatedores manifestaram preocupação sobre a natureza da investigação da Seção 301, considerada “parcial”, cheia de “inverdades” e com potencial para provocar ainda mais sanções e perdas financeiras aos setores exportadores e ao país.
O diplomata e consultor Roberto Carvalho de Azevêdo afirmou que o mecanismo pode servir de plano B para o governo americano manter as taxas sobre as exportações brasileiras, caso a Suprema Corte daquele país venha a derrubar as tarifas adicionais de 50%.
Apesar de reconhecer que a motivação política se sobrepôs à econômica nessa investigação, ele considerou fundamental a interlocução do setor privado com os representantes de comércio nos Estados Unidos e com as autoridades do Departamento de Estado americano (equivalente ao Ministério das Relações Exteriores daquele país). Para Azevêdo, é preciso estar pronto “quando a janela de oportunidade se abrir”.
Segundo Azevedo, a Seção 301 permite que os Estados Unidos mantenham as tarifas de 50% sobre 35,9% da pauta exportadora brasileira — anunciadas em 9 de julho — ou ao menos parte delas, mesmo que a Suprema Corte decida pela perda de validade da medida.
Regras da OMC
O diretor do Departamento de Política Comercial do Ministério de Relações Exteriores, embaixador Fernando Meirelles de Azevedo Pimentel, explicou que a Seção 301 é uma investigação interna do Executivo americano, que não acontece no âmbito da Justiça, cabendo ao próprio governo decidir quais fatos levarão em consideração e quais penalidades eles poderão adotar. Por isso, alegou ele, o Brasil não reconheceu a legitimidade das investigações, tomadas fora do arcabouço legal da OMC.
Segundo o embaixador, as disposições do Brasil são sempre dentro das regras comerciais adotadas pela OMC, e a defesa dos interesses nacionais e das empresas brasileiras estão sendo apresentados de forma técnica e robusta, como no caso do questionamento sobre a taxa de 18% ao álcool americano praticada pelo Brasil e a alegação de que o Programa RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis) seria discriminatório.
Da mesma forma, os outros cinco questionamentos levantados pela autoridade norte-americana foram rebatidos por Pimentel. Além da tarifa ao etanol, os americanos acusam o Brasil de práticas ilegais como no comércio digital e em serviços eletrônicos de pagamentos; em tarifas preferenciais, no enfraquecimento do combate à corrupção, na propriedade intelectual, no desmatamento ilegal e no PIX.
Presidente do Instituto Brasileiro de Comercio Internacional, Investimentos e Sustentabilidade (IBCIS), Welber Barral levantou argumentos no mesmo sentido. Segundo ele, foi apresentada uma série de “inverdades” na Seção 301, o que exigiu contestações na Justiça dos Estados Unidos. Ele citou como exemplo a questão do desmatamento ilegal e a acusação de uso de trabalho forçado e trabalho infantil nas produções de produtos agrícolas exportados.
Relação ganha-ganha
A secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Tatiana Prazeres, afirmou que o “Brasil não é um problema comercial para os Estados Unidos”, visto que há um superávit americano — os Estados Unidos exportam mais para o Brasil do que importam — que supera os US$ 20 bilhões. Por ser o segundo país de destino das exportações brasileiras, com maior número de empresas brasileiras exportando, cerca de 10 mil, ela considerou fundamental todos os esforços de negociação, em todas as frentes.
De janeiro a agosto de 2025, o Brasil importou US$ 30 bilhões dos Estados Unidos, um aumento de 11,44% em relação ao mesmo período de 2024. Já as exportações brasileiras para os americanos, de janeiro a agosto deste ano, foram de US$ 26,6 bilhões, um aumento de 1,64% em relação a 2024.
O presidente da comissão temporária, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), reforçou que o colegiado, que é suprapartidárioa, busca “pelo caminho do diálogo e do pragmatismo, apresentar um trabalho propositivo, contribuindo com o avanço das negociações entre os dois países. Para ele, é preciso recompor a relação econômica, considerada “importante para os dois países, com impacto direto sobre emprego, renda, previsibilidade regulatória e inserção internacional”.
“A política externa não pode ceder a polarizações. A defesa firme dos nossos interesses exige estratégia, serenidade e interlocução qualificada”, disse. Nelsinho ainda considerou positiva e uma demonstração de “maturidade institucional” a possibilidade de uma conversa entre os presidentes Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com ele, o diálogo aponta para a possibilidade de “retomada da lógica da diplomacia nas relações internacionais”.
Distanciamento político
Já o economista e ex-presidente do Banco do Brics Marcos Prado Troyjo avaliou que o conflito comercial entre Brasil e Estados Unidos é atualmente o “principal desafio diplomático e comercial” das suas relações exteriores dos últimos 50 anos. Para ele, o distanciamento político e ideológico entre os dois governos, a falta de interesse de aproximação e interlocução do Brasil desde a eleição de Donald Trump, além da crítica brasileira à dolarização do comércio mundial e, por fim, o julgamento e condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, contribuíram para a aplicação das taxas, sanções e da investigação por meio da Seção 301.
Ele defendeu a manutenção das várias frentes diplomáticas, como a de parlamentares, de empresários e de representações de advogados e de comércio e reforçou a necessidade de uma “boa defesa técnica” para buscar algum avanço na sinalização feita por Trump a Lula na Assembleia Geral da ONU, na terça-feira (23), mas ponderou que as forças políticas próximas aos governos e a proximidade das eleições brasileiras podem impedir uma resolução positiva.
“O mais provável, apesar da demonstração do presidente Trump, quando nos próximos dias, de lado a lado, as equipes prepararem uma conversa, seja ela de caráter presencial ou de caráter remoto, forças mais estruturais vão entrar em operação e vai ser mais difícil a gente sair com uma resolução que seja do nosso interesse, de uma maneira mais imediata”, avaliou.
Agro
Os Estados Unidos são atualmente o terceiro principal destino das exportações do agro brasileiro — 7,4% do que o Brasil exporta do setor vai para o mercado norte-americano. Esses produtos, segundo a diretora de Relações Internacionais da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), Fernanda Maciel Carneiro, representam 30% de todo o comércio feito com os EUA.
Para ela, os efeitos das tarifas em 50% aos produtos do agro ainda não foram totalmente contabilizados porque o mercado ainda está se ajustando às novas tarifas. Ela observou que países produtores em potencial e que concorrem com o Brasil podem estar levando vantagem na negociação bilateral com os Estados Unidos ou até mesmo conquistando outros mercados porque não chegaram a entrar na lista anunciada em 9 de julho. Fernanda citou como exemplo a tarifa de 50% à carne brasileira, que acaba competindo de forma desequilibrada com a cadeia de países como a Argentina e e Austrália, que seguem com produtos taxados em 10%.
Com informações da Agência Senado

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