quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

ESTREIA–“A Qualquer Custo” é western sobre a crise financeira contemporânea



 Talvez o aclamado “A Qualquer Custo” tenha mais a ver com “Cosmópolis”, de David Cronenberg, do que com toda a linha de westerns com a qual o filme indicado ao Oscar parece se alinhar. Em outras palavras: a trama do longa teria outro sentido não fosse a crise que começou em 2008, o Ocuppy e tudo mais que veio junto – na verdade, o filme nem existiria não fosse tudo isso.

Com o rancho da família a ponto de ser tomado por conta de dívidas, os irmãos Tanner (Ben Foster) e Toby Howard (Chris Pine) começam a roubar bancos em pequenas cidades no oeste do Texas. Apesar do fato de Tanner ser um ex-presidiário, a dupla não tem qualquer talento para a empreitada. E a cada nova investida – apesar de conseguir-se dinheiro –, a situação se complica ainda mais. Isso fica claro logo na primeira cena, num roubo bem-sucedido (ao seu modo, é claro), no qual Toby não parece estar se divertindo tanto quanto o irmão.

O modus operandi é mais ou menos o mesmo: assaltar o banco usando máscara antes mesmo de sua abertura, quando chega o primeiro funcionário, e depois livrar-se do carro (eles já conseguiram vários para descartá-los).

O subtexto aqui é brechtiano, no sentido sarcástico de que: “O que é roubar um banco em comparação com fundar um banco?”. Os próprios bancos que a dupla rouba pertencem à Texas Midlands, a mesma instituição prestes a tomar o rancho da família. Existe uma fina ironia nisso tudo que o roteiro, indicado ao Oscar, de Taylor Sheridan (“Sicário”) não deixa passar batido. A trama toda é construída em cima disso, e a busca pela manutenção da propriedade se torna ainda mais importante uma vez que foi descoberto petróleo em suas terras.

Os irmãos, no entanto, são ingênuos o suficiente para criar um padrão, o que desperta a atenção da polícia, especialmente do Texas Ranger Marcus (Jeff Bridges, indicado ao Oscar de coadjuvante, e merecedor do prêmio, embora não seja o favorito). Veterano prestes a se aposentar, ele parece já ter visto de tudo nessa vida, especialmente em se tratando de crimes e, com a ajuda de seu parceiro, Alberto Parker (Gil Birmingham), começa a investigar.

Há uma contraposição sagaz entre as duas duplas. A família Howard parece vítima de uma maldição, ou do destino mesmo, sempre perdendo dinheiro, sempre na pobreza. Toby vê nos roubos a única chance de superar essa limitação, de dar uma vida digna à ex-mulher e aos filhos. Tanner, por sua vez, é um sujeito amoral, está nessa apenas pela diversão.

Marcus e Parker também têm uma relação de cumplicidade. A troca de insultos raciais (o segundo é descendente de nativos e mexicanos) é sua maneira de expressar sua afinidade – uma maneira estranha é claro, mas, enfim... Há nesse sentido, e no desenrolar do destino do personagem, uma questão de dívida histórica que permeia todo o filme.

Algumas cenas são impressionantes – uma delas, de um tiroteio, outra, de perseguição –, ajudando a dimensionar a grandiosidade desse filme, que merece ser visto não apenas por suas quatro indicações ao Oscar (além das já mencionadas, também concorre por montagem, assinada por Jake Roberts, e como melhor filme).

O diretor escocês David Mackenzie (“O Jovem Adam”) filma o Texas como se tivesse nascido e sido criado no Texas. Sua compreensão das planícies e das pequenas cidades assoladas pela crise, com lojas fechadas e ranchos abandonados – tudo isso muito bem caracterizado na fotografia de Giles Nuttgens – vai além dos clichês, transformando o cenário numa espécie de personagem que ora oprime, ora é o sentido da liberdade dos irmãos, mas também é um lembrete constante da ganância dos bancos e grandes corporações.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

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