quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

ESTREIA-"Assim que Abro Meus Olhos" traça retrato pungente da juventude árabe



Talvez seja alguma espécie de sorte de iniciante, mas o longa de estreia da tunisiana Leyla Bouzid, “Assim que Abro Meus Olhos”, é um pequeno milagre, repleto de força, beleza e urgência.

Situado em 2010, pouco antes da Revolução de Jasmim, que aconteceu no seu país e desencadeou a chamada Primavera Árabe, o filme acompanha uma jovem que sonha em ser cantora.

Ao contrário das filmagens e vídeos amadores feitos no calor do momento, “Assim que Abro Meus Olhos” mantém um distanciamento crítico que permite uma melhor observação da história, além de decantar os fatos.

“Assim que abro meus olhos, eu vejo aqueles privados de trabalho e de comida”, canta a protagonista Farah (Baya Medhaffar), protestando contra o governo de Zine el-Abidine Ben Ali, que durou 23 anos, até ele fugir do país em 2011.

Protagonizado por jovens e com músicas indie, o filme tem um apelo junto ao público dessa idade, especialmente pelo vigor e energia de sua personagem central, vocalista de da banda Joujma, que fará seu primeiro concerto. Sobre a moça, existe uma grande pressão para um futuro promissor estudando medicina, mas ela prefere a música.

Nesse sentido, Farah é igual a milhares de garotas ao redor do mundo --e nos filmes-- rebelando-se contra instituições e imposições da família. Mas a diretora, que também assina o roteiro, imprime cores locais, particularidades.

Mesmo sem tocar explicitamente em questões políticas, o filme é sobre uma sociedade no limite, sobre uma juventude com a pulsão da transformação em suas veias, querendo quebrar padrões. O que, mais uma vez, dá um apelo universal à obra.

A mãe da protagonista, Hayet (Ghalia Benali), no passado uma rebelde como a filha, agora está mais preocupada com valores que não combinam com seu espírito livre. Mas, conforme ela mesma já vivenciou, a sociedade do país não comporta a rebeldia, e o clima conservador sempre vence.

O pai (Lassaad Jamoussi), por sua vez, vive em outra cidade, onde trabalha, e não consegue transferência pois se recusa a compactuar com “o partido”, como é mencionado, mas não identificado. Farah tem um relacionamento com Borhene (Montassar Ayari), que toca alaúde na banda. E até ele se espanta com a coragem e o comportamento da moça.

As músicas, compostas pelo músico iraquiano Khyam Allami, com letras de Ghassem Amani, falam do cotidiano no país, das aspirações e expectativas de toda uma geração. E são, ao seu modo, canções de protesto.

O que domina o longa é a relação entre mãe e filha. O conflito de gerações é bem delineado e explora diferentes momentos do país, fazendo a contraposição entre o passado e o presente, e as aspirações das duas.

Premiado nos festivais de Veneza, Cartagena e Dubai, o filme apresenta ao mundo o talento de Leyla Bouzid, certamente um nome a se prestar atenção.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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