(Reuters) - Representações do apocalipse são, ao seu modo, construções históricas. O que era o fim do mundo para o primeiro filme da série “Mad Max”, de 1979, não era exatamente o mesmo nas suas sequências, dos anos 1980.
E o novo filme “Mad Max: Estrada da Fúria”, irá responder exatamente aos anseios e aflições de nosso tempo – e, nesse sentido, faz tão bem como nenhum outro.
Depois de exatos 30 anos, o cineasta George Miller retoma o personagem e a premissa para criar um filme completamente novo, que não é nem refilmagem, nem continuação, apenas uma nova visão de um mesmo mundo em colapso.
Primeiramente, não se explica o que aconteceu – até porque não há o que explicar, não aconteceu nada, a crise é estrutural de nosso modo de vida. Encontramos Max (agora interpretado por Tom Hardy) numa terra desolada, seca, castigada pelo sol.
Um lobo solitário, ele acaba aprisionado pelo governador desse mundo, Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), sujeito deformado e coberto de um pó branco, cuja metade do rosto é escondida por uma máscara assustadora. Quem é essa figura? Ele nos é apresentado como uma espécie de Rei da Privataria – domina a água e a disponibiliza para uma turba miserável conforme seus interesses.
Dessa forma, é irresistível ler “Mad Max” como uma representação de uma sociedade neoliberal, e cada personagem vai se encaixando perfeitamente com as figuras desse tabuleiro. Nux (Nicholas Hoult) faz parte do exército de Immortan Joe, é um uma espécie de religioso fanático, cujo lema “Viver, morrer! Viver novamente!” traduz ao mesmo tempo um ideal terrorista e uma ingenuidade de quem acredita na meritocracia.
Se Max luta pela sua sobrevivência apenas, seu arco de transformação será precipitado por Imperatriz Furiosa (Charlize Theron), o espírito revolucionário desse mundo.
Careca, e sem um braço –substituído por outro mecânico– ela é mais uma do exército de Joe, mas que irá se rebelar, ao roubar o “capital” dele – especificamente, um grupo de moças jovens e belas que servem apenas para gestar seus filhos. É nessa fuga que o caminho dela e Max se cruzam.
Furiosa é uma utópica, por assim dizer, nesse mundo condenado à sobrevivência individual; quer reencontrar sua tribo formada apenas por mulheres que vive num lugar que atende pelo nome bucólico de Vale Verde – é realmente uma bela imagem pensar num oásis de água e plantas em meio ao deserto seco.
Meio a contragosto –e, na verdade, sem outra opção–, Max aceita se unir a esse bando, e depois pensa o que fará de sua vida, se ainda a tiver. Miller, nessa estrada (a da Fúria, do título) orquestra uma narrativa e explosões muito bem construídas.
Não há muito tempo para preâmbulos, e logo de início Max é sequestrado pelos soldados de Joe, e por ser saudável, se torna aquilo que chamam de Bolsa de Sangue, e fica ligado a Nux por um tubo que transfere constantemente seu sangue ao soldado, e uma corrente, para que não fuja. Logo a primeira grande sequência de perseguição acontece. É pirotécnica, repleta de sons e fúria – e genial. O diretor –que assina o roteiro com Nick Lathouris (também ator do primeiro filme) e Brendan McCarthy– sabe equilibrar música de estourar os tímpanos com um silêncio, que pode ser ainda mais ensurdecedor.
Em “Mad Max” existem poucos diálogos –o próprio Max mais resmunga do que propriamente fala. É como se, no mundo destruído, a linguagem se limitasse ao essencial. Não há também tempo para gestos de sentimento –qualquer opção pode ser tomada como política. Aí é que está uma das funções de Furiosa, despertar uma espécie de consciência no protagonista– cujo passado é mencionado sem muita explicação: como no original, era um policial que perdeu a família.
O que Furiosa busca é exatamente o que pode subverter esse mundo surreal habitado por criaturas estranhas: um sentido de comunidade. Os miseráveis do início do filme vivem juntos, mas mais devido às circunstancias e pela opressão de Immortan Joe do que por opção. O sonho dela é reencontrar suas mentoras e dar um novo futuro às garotas que salvou do vilão.
A personagem é tão brilhante que merece um filme só dela – e Miller já deu a entender que isso está nos planos, e não seria nenhuma surpresa se, a certa altura, se revelasse que o nome dela é algo como Maxine, e ela é a verdadeira Mad Max – afinal, aqui ela chega ao posto de protagonista em diversos momentos.
Há um ar de filme de ação feminista nesse novo “Mad Max” – até a dramaturga Eve Ensler (criadora dos “Monólogos da Vagina”) já declarou isso –, quando o taciturno Max fica de lado para deixar Furiosa no centro do palco.
Ainda assim, Hardy (ao lado de Theron) é o espírito do filme, com seu ar de poucos amigos e semblante pesado. Aparentemente, Tina Turner estava errada quando, no terceiro filme da série, cantava “não precisamos de outro herói”. Precisamos, sim. E não poderia haver uma escolha mais perfeita do que Hardy.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
Nenhum comentário:
Postar um comentário